Entrevista: Roberto Kraenkel

Written by Ricardo Aguiar on April 22nd, 2015. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Pesquisador do IFT é um dos criadores do site Águas Futuras, que faz previsões sobre os níveis de água do sistema Cantareira

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Roberto Kraenkel é físico e pesquisador no Instituto de Física Teórica da Unesp. Com o colega Paulo Inácio Prado, biólogo da USP, e o pós-doutorando Renato Mendes Coutinho, criou o site Águas Futuras, que faz previsões sobre os níveis de água do Sistema Cantareira. A página da Internet foi colocada no ar dia 14 de abril, e é muito mais do que um modelo matemático para saber se o volume do Cantareira irá aumentar ou diminuir nos próximos dias; é, também, uma tentativa de tornar mais qualificada a discussão sobre um gravíssimo problema que afeta a maior cidade do país, e de mostrar como a ciência pode contribuir para resolvê-lo, evitar novas crises e melhorar a gestão de recursos hídricos do estado e do país.

 

Conheça o site Águas Futuras: http://cantareira.github.io/

 

Ricardo Aguiar – Prof. Kraenkel, como surgiu a ideia de fazer esse projeto?

Roberto Kraenkel – Ao longo do ano passado, acompanhamos a grave crise de água que afetou, e ainda está afetando, a cidade e o estado de São Paulo. Percebemos que as discussões a respeito desse assunto eram extremamente desqualificadas. Queríamos entender melhor esse problema e tentar contribuir para tornar essa discussão pública mais qualificada.

Como trabalhamos com modelos matemáticos, buscamos entender a dinâmica de um reservatório de água – por exemplo, a taxa de absorção de água depende do volume do sistema naquele momento? Quais são os fatores mais importantes para prever e evitar crises como essa?

RA – Como funciona o modelo que criaram?

RK – Para construir o modelo usamos dados do Sistema Cantareira. O volume de água do sistema depende da quantidade de água que entra – a vazão afluente – e da quantidade de água que sai – a vazão efluente.

A quantidade que entra depende das chuvas, mas depende também do volume do sistema. Quando cheio, o sistema absorve mais água – a chuva cai diretamente na água do reservatório. Quando vazio, o sistema absorve menos água – a chuva cai também sobre o solo, que a absorve.

A quantidade que sai depende de quanta água a Sabesp retira por dia. Essa quantidade antes da crise era, em média, de 33m3/s. Com a crise, passou para 14m3/s. Embora não se fale em racionamento, fica claro que a Sabesp está enviando menos água para abastecer a cidade.

Para fazer as projeções, nos baseamos nas taxas de chuva de anos anteriores. Fizemos projeções baseadas em três cenários: com as chuvas desse ano se mantendo na média dos anos anteriores; com as chuvas desse ano ficando abaixo da média; e com as chuvas desse ano ficando acima da média. Desse modo, contemplamos desde o cenário mais pessimista até o cenário mais otimista.

RA – Como está a atual situação do Sistema Cantareira e quais as previsões mais otimistas e pessimistas?

RK – O Sistema Cantareira ainda não conseguiu recuperar o volume morto utilizado na crise.

O volume morto representa cerca de 22,6% do volume total do sistema. Atualmente, o Cantareira está com pouco mais de 15% de seu volume. Isso significa que precisamos subir mais 7 pontos percentuais para recuperarmos o volume morto.

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Para manter nossas projeções precisas, fazemos previsões para no máximo 30 dias. No momento, a previsão mais otimista para daqui um mês é que o Sistema Cantareira esteja com 17,6% de sua capacidade. O mais pessimista é que esteja com apenas 12,9%.

Todas as outras projeções podem ser encontradas em nosso site.

RA – Como foi acessar os dados da Sabesp?

RK – Tivemos muita dificuldade para acessar os dados da Sabesp. Todas as informações estão disponíveis em uma página da Internet, porém não há links para essa página. Conseguimos achá-la através de contatos que temos, e se não fosse por isso não teríamos conseguido fazer o modelo.

Gostaríamos de usar esse modelo para fazer projeções para outros reservatórios também, mas é justamente pela dificuldade de acessar informações que ainda não conseguimos. Em outros estados, simplesmente não há dados disponíveis.

RA – Quais os próximos passos do projeto?

RK – Gostaríamos de elaborar um modelo que pudesse prever crises com antecipação.

O Cantareira tinha um sistema que previa crises. Até o início de 2014, esse sistema não indicava crise alguma. Hoje sabemos que ele estava errado e falhou.

Entretanto, volto a dizer que nosso objetivo é tornar a discussão pública sobre esse gravíssimo problema mais qualificada. Criamos um site, totalmente público, para que todos possam ter acesso a essa informação. Não queríamos simplesmente publicar mais um artigo científico; queríamos contribuir para a resolução de um problema na sociedade.