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Um papo sobre a expansão do Universo

Written by Adrianna Virmond on October 3rd, 2019. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

No dia 12 de setembro ocorreu mais uma edição do Papos de Física, e dessa vez o público pôde assistir o professor Eduardo Cypriano (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas –  IAG-USP) falar sobre os “Desafios da Cosmologia Observacional”. Eduardo começou a palestra fazendo um panorama geral do que se entende por Cosmologia atualmente, como ela funciona e quais os desafios futuros.

Nossos ancestrais, há milhares de anos, voltaram os olhos para o céu estrelado e tentaram dar significado para aqueles pontos brilhantes que tanto nos fascinam. Desde então, praticamente todas as civilizações das quais se têm registro, criaram mitos e histórias que, de alguma forma, explicavam os porquês do céu ser do jeito que é. Hoje, Cosmologia é a área da ciência que se ocupa em entender o Universo como um todo.

Fotos do Papos de Física de Setembro/2019. Eduardo Cypriano, professor do IAG-USP, discutiu com o público os Desafios da Cosmologia Observacional (Créditos das imagens: ICTP-SAIFR).

Apesar das contribuições de cientistas como Galileu, Newton e Kepler, foi com Einstein e a Teoria da Relatividade Geral que surgiu uma revolução na maneira como entendemos o Universo. A teoria, que explica a gravitação, introduziu a ideia de espaço-tempo, mostrou a existência da relação entre massa e energia, e resolveu o problema da órbita de Mercúrio: a órbita de todos os planetas se modifica um pouco ao longo do tempo, mas os cálculos feitos para a órbita de Mercúrio não batiam com as observações, até que a Relatividade Geral foi incorporada nas contas. A Relatividade Geral prevê diversos outros fenômenos que hoje estamos verificando, como as ondas gravitacionais, detectadas diretamente em 2015 (clique aqui para saber mais!), e a existência de buracos negros, comprovada pelo primeiro registro “fotográfico” de um, em abril de 2019.

 

Porém, como lembrou Cypriano, Einstein não estava completamente correto em alguns pontos, entre eles, o fato de considerar nosso universo finito e estático. A partir das equações de Einstein, Friedmann, um físico e matemático russo, descreveu leis que previam a expansão do Universo, considerando que ele seria homogêneo e isótropo (ou seja, igual em todas as direções). Mas foi com as contribuições de Henrietta Leavitt que, anos mais tarde, Lemaitre e Hubble comprovaram a expansão do Universo.

 

Henrietta Leavitt foi uma astrônoma americana, responsável pela descoberta da existência de uma relação entre o período e a luminosidade de cefeidas, um tipo de estrela. Esta constatação deu origem ao método utilizado para medir as distâncias entre astros. Com esse método, as distâncias entre a Terra e várias estrelas e galáxias começaram a ser medidas até que Lemaitre e Hubble, independentemente, observaram uma relação linear entre a distância e a velocidade com a qual as galáxias estão se movendo, e atribuíram essa relação à expansão do Universo. Assim, estes cientistas mostraram que, ao contrário do que pensava Einstein, o Universo não é finito e estático e está, na verdade, se expandindo.

Cefeidas são um tipo de estrela pulsante, ou seja sua luminosidade aumenta e diminui em intervalos de tempo bem definidos. Esse intervalo é denominado período, e existe uma relação linear entre a luminosidade e o período das cefeidas. Essa relação é utilizada para calcular a distância e a velocidade das estrelas, assim os cientistas determinaram o tamanho, idade e taxa de expansão do universo. LMC: Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite à Via Láctea (em inglês – Large Magellanic Cloud); Milky Way: Via Láctea. (Créditos da imagem: NASA/JPL-Caltech/Carnegie, dados do Telescópio Spitzer).

 

Sabemos que o Universo está se expandindo. Assunto encerrado, certo? Na verdade, constatar que o Universo está expandindo levanta muitas outras questões: o universo vai expandir para sempre? A expansão ocorre sempre à mesma velocidade, ou está retardando? Ocorre um processo cíclico, no qual o Universo alterna entre expandir-se e contrair-se infinitamente? Qual o futuro do Universo?

 

O professor mostrou que essas questões têm relação direta com a própria geometria do Universo, e que existem três modelos possíveis: num universo fechado, o modelo que se adequa melhor aos cálculos é o de alternância de ciclos de expansão e contração; num universo aberto, com pouca massa, os cálculos prevêem que o cosmos se expandirá para sempre; e na terceira opção, onde a geometria do universo seria plana, o universo deve possuir uma densidade específica, uma “massa crítica”, e dessa forma ele está se expandindo agora, mas cada vez a taxas menores, de forma que, um dia, atingirá um tamanho máximo.

Depois de confirmar a expansão do Universo, surgem questões como: se está expandindo agora, já contraiu antes? Qual a taxa de expansão? Vai expandir para sempre, ou eventualmente ocorrerá o colapso do universo todo? Como evolui o universo ao longo do tempo? (Créditos da imagem: UFRGS)

 

Como resolver essa questão?

Primeiramente, os astrônomos determinaram a densidade do universo. Cada um dos modelos geométricos funciona para valores específicos de densidade, e por isso essa era uma das saídas. O problema é que a densidade calculada foi um valor diferente do esperado, e, na verdade, não era exatamente equivalente aos valores de nenhum dos modelos, mas sim a um valor intermediário.

 

A alternativa encontrada pelos astrofísicos foi calcular as velocidades e distâncias de estrelas ainda mais distantes. A ideia seria que, para esses corpos tão distantes, já seria possível observar a desaceleração do Universo. E funcionou! Utilizando supernovas como referência, foi possível “enxergar” lugares ainda mais afastados no universo e calcular suas distâncias e velocidades com as quais galáxias distantes se deslocam. Mas… Mais uma vez, o universo pregou uma peça nos cientistas. Certos de que encontrariam a taxa de desaceleração do universo (ou seja, quanto a velocidade diminui com o tempo), os cientistas se surpreenderam ao encontrar um valor negativo.

Ou seja: o universo não está expandindo cada vez mais devagar, mas sim cada vez mais rápido!

 

Nesse momento, o professor Eduardo aproveitou a oportunidade para explicar um pouco sobre o Método Científico e a importância de aplicá-lo no fazer científico. Ao longo da história da ciência, repetidamente os cientistas se surpreenderam com os resultados de seus cálculos e experimentos. No fazer científico, faz parte do processo ter de repensar (e muitas vezes descartar) a hipótese original, tendo em vista os resultados das observações e experimentos. Este episódio da descoberta da expansão do Universo é um bom exemplo sobre como os pesquisadores devem se apoiar no método, e não apenas em suas intuições.

O método científico é parte fundamental do fazer científico e, embora tenha variações de acordo com a área de estudo, é um guia geral de como fazer ciência de forma imparcial e acurada. Esse infográfico mostra como o bioquímico e escritor Isaac Asimov explica resumidamente o método (Créditos da imagem: Via Saber).

 

Voltando ao assunto… Porque o universo está se expandindo, e cada vez mais rápido? É justamente isso que os astrofísicos estão tentando resolver agora. Esses são os novos Desafios da Cosmologia Observacional. Essa aceleração é atribuída à Energia Escura, uma energia que existe no universo, mas que os físicos ainda não entendem como funciona. Além disso, hoje sabemos que quase toda a massa do universo é formada, na verdade por Matéria Escura, cuja natureza também é pouco compreendida (veja aqui um dos candidatos para compor a matéria escura). “Talvez seja necessário desenvolver uma ‘nova física’ para explicar esses fenômenos” finalizou o professor Eduardo Cypriano.

 

O Papos de Física é um evento mensal de divulgação científica realizado pelo ICTP-SAIFR, centro de pesquisa associado ao IFT-UNESP, no Tubaína Bar (R. Haddock Lobo, 74, Cerqueira César). Num ambiente descontraído e informal, físicos falam sobre os avanços da ciência e temas que despertam a curiosidade da população. Ao final de cada apresentação, o cientista convidado responde perguntas do público. A próxima edição acontecerá no dia 03 de outubro, e contará com a presença da professora Ilana Wainer (IO-USP), que falará sobre os “Efeitos Climáticos do Oceano”.

Ondas Gravitacionais: “O próximo passo é o inesperado”

Written by Malena Stariolo on March 15th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Após a detecção e, mais recentemente, a observação de ondas gravitacionais uma nova porta se abre para os estudos da física e da astrônomia.

(Fonte: NASA)

Na última semana o ICTP-SAIFR promoveu o minicurso Gravitational Waves for Field Theorists ministrado pelo professor Rafael Porto. Uruguaio de nascensa, o pesquisador é um físico teórico que trabalha com os aspectos fundamentais e observacionais da gravidade e com a Teoria Quântica de Campos. Dentro de sua linha de pesquisa se encontram seus trabalhos com Ondas Gravitacionais.
As Ondas Gravitacionais (Gravitational Waves) são definidas como ondulações do espaço-tempo, elas se espalham pelo universo na velocidade da luz, ou seja: 299.792 km/s. Em geral, as ondas gravitacionais mais poderosas são geradas a partir da colisão de objetos que se movem a velocidades muito grandes. É o caso de quando dois buracos negros se fundem, ou quando duas estrelas de nêutrons colidem.

(Geração de ondas gravitacionais. Fonte: LIGO Caltech)

Infelizmente esses eventos apresentam uma grande dificuldade de detecção porque ocorrem a distâncias muito grandes e, quando finalmente chegam na Terra, as ondas já estão muito fracas para serem identificadas. É simples de imaginar o fenômeno se pensarmos em uma lagoa, alguém joga uma pedra no meio dela, no momento do impacto da pedra com a água as ondulações formadas serão maiores e bem perceptíveis, entretanto, quanto mais próximas da beirada, menores elas serão e, portanto, será mais difícil diferenciá-las.
As ondas gravitacionais foram previstas pela primeira vez por Albert Eistein em 1916, em sua Teoria Greral da Relatividade, na qual propunha que os corpos mais violentos do espaço liberam parte de sua massa através de energia por meio dessas ondas. Porém, pelo fato de serem tão difíceis de detectar e, consequentemente, comprovar, o próprio Eistein duvidava da veracidade de sua teoria. Foi só quase um século depois, em 2015, que sua existência foi 100% confirmada através de um detector super sensível, desenvolvido pela colaboração da equipe do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (LIGO).
O experimento, considerado um dos mais caros e ambiciosos em décadas, consiste em duas instalações, localizadas no estado de Washington e Louisiana. Apresenta um formato em L e, cada braço, percorre uma extensão de 4km completamente em linha reta. Por ser extremamente sensível a variações, o experimento está localizado em regiões distantes de cidades ou de qualquer fonte de interferência, para evitar uma detecção falsa. Em seu interior um raio laser gerado é dividido nos dois sentidos do L e percorre o interior de cada tubo, no fim de sua extensão espelhos super estáveis refletem os lasers de volta. Em geral, os lasers percorrem os tubos, são refletidos e retornam exatamente na mesma frequência, entretanto essa calmaria é alterada quando uma onda passa pela Terra gerando uma vibração.
Até 2017 nós tivemos a oportunidade de detectar cinco ondas gravitacionais, todas geradas por buracos negros. Entretanto, em Agosto de 2017 mais um avanço surpreendente: pela primeira vez cientistas conseguiram não apenas detectar as ondas, mas também observá-las. O evento teve origem do choque de duas estrelas de nêutrons, na constelação de Hydra, há 130 milhões de anos atrás. Essas estrelas são extremamente pequenas, entretanto, super densas, em média elas têm 19km de extensão mas sua massa é equivalente a de um sol e meio. O interessante dessa observação é que, por terem campos eletromagnéticos, as estrelas de nêutrons podem causar explosões de ondas eletromagnéticas o que nos permite ver o fenômeno ao apontar um telescópio em sua direção. Assim, foi possível não apenas detectá-las, como também observá-las.

(Registro da explosão de estrelas de nêutros. Na figura 1 no momento da expĺosão em 17 de Agosto de 2017 e, na Figura 2, o evento desbotado alguns dias depois, em 21 de Agosto de 2017. Fonte: 1M2H TEAM/UC SANTA CRUZ & CARNEGIE OBSERVATORIES/RYAN FOLEY)

A detecção das ondas gravitacionais abriu um campo inteiramente novo de pesquisas e especulações na astrônomia e na física, permitindo novas formas de compreensão do universo e de sua origem. As ondas carregam consigo informações de sua criação, que remetem há milhões de anos atrás, nos permitindo identificar como elas surgiram e quais eram as características da sua fonte. Assim, é possível expandir nosso conhecimento sobre fenômenos até agora muito pouco explorados, como os buracos negros, além de permitir um estudo sob um novo ângulo a respeito das vibrações do espaço-tempo. Rafael Porto, destaca que o próximo passo é o inesperado, as ondas gravitacionais podem ser utilizadas para a exploração do universo em busca de novos objetos como também para o estudo em busca de conhecimento preciso sobre fenômenos já conhecidos.
“Nós não sabemos o que está lá fora, podem ser buracos negros, estrelas de nêutros, ou pode ser algo completamente exótico e novo que nós ainda não conhecemos. Para conseguir extrair informação e diferenciar o que sabemos do que não sabemos nós precisamos estudar o que nós chamamos de wave forms (formato de ondas), predições super precisas do que nós conhecemos, para comparar com as observações e ver se existe uma incompatibilidade o que nos permitirá falar ‘ok, isso é algo novo’. Uma possibilidade é a existência de estrelas feitas de matéria que nós ainda não vimos, ou buracos-negros podem ter o que nós chamamos de “pêlos”, eles podem estar rodeados por uma condensação de muitas partículas que nós não conhecemos, existe também a matéria escura que nós ainda não observamos diretamente. Então, através das ondas gravitacionais, nasce uma forma realmente nova de olhar para o universo”.
Apesar de acreditar que o próximo grande avanço na área vai acontecer daqui a muitos anos, Porto se mostra otimista sobre as novas possibilidades de estudo que a observação de ondas gravitacionais apresenta. Em relação à comunidade não científica ele defende que não existe como não se interessar por avanços como esse, que permitem a criação de um imaginario inteiramente novo sobre as origens do nosso universo.