Archive for April, 2018

Física e Arte: Fotografia Espacial

Written by Malena Stariolo on April 26th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Existem diferentes formas de interpretar aquilo que nos rodeia. Cada um de nós tem uma visão diferente sobre algo baseada em nossas experiências pessoais, nosso conhecimento e nossa bagagem cultural. Assim, se duas pessoas olharem uma mesma foto, cada uma pode analisá-la de uma perspectiva diferente. Podemos ver uma imagem do espaço e pensar no processo de tratamento que ela passou, encará-la como uma arte abstrata, ou ainda questionar quais tecnologias estavam por trás dessa imagem, que tipo de conhecimento espacial ela nos transmite ou como ela pôde ser interpretada pelas diferentes pessoas que a viram. Podemos, ainda, simplesmente não dar importância, passando reto por uma fotografia da Terra, igual a tantas outras que já tivemos acesso.

Em sua segunda edição, o evento Ciência em Diálogo no IMS: Física e Arte trouxe um debate sobre Fotografia Espacial. Para apresentar as diferentes visões do assunto, do lado da ciência o convidado foi o físico Raul Abramo, professor do Instituto de Física da USP, com pesquisas na área de Cosmologia Teórica e Observacional e, do lado da arte, a doutora em ciências da comunicação Cristina Bonfiglioli que estuda os laços entre arte, tecnologia e ciência na percepção da paisagem a partir da fotografia aérea e astronômica.

Independente de como interpretamos as imagens que chegam até nós, uma característica é geral: precisamos de luz para poder enxergar. A luz, entretanto, é muito mais complexa e apresenta mais variáveis do que imaginamos. A luz visível, que é a faixa que, como o próprio nome indica, conseguimos observar, está contida em um espectro com outros diferentes comprimentos de ondas, como as ondas de rádio, o infravermelho, a ultra-violeta, os raios-x e os raios-gama, todas estas invisíveis a olho nu.

O professor Raul Abramo destaca que nós temos uma limitação básica já que, de todo o comprimento de luz, nós vemos apenas uma pequena parcela. Como consequência, ao ver uma imagem, enxergamos apenas uma parte da informação que ela contém. Mas isso não quer dizer que não conseguimos observá-la por outros meios, hoje existem equipamentos que nos permitem ver uma mesma fotografia sob diferentes comprimentos de onda. Isso é útil porque nos torna capazes de analisar seus diferentes aspectos, uma vez que cada comprimento de onda é responsável por nos revelar características distintas.

Na imagem podemos ver como uma mesma fotografia apresenta características distintas quando exposta a diferentes comprimentos de onda.

Ao olharmos para o universo acontece a mesma coisa, a imagem de uma galáxia na luz visível é completamente diferente se analisada sob a luz infravermelha, que nos fornece informações distintas daquelas fornecidas pela luz visível. Ambas carregam informações valiosas porém diferentes. “A fotografia permite, então, alargar o limite do possível, a gente consegue enxergar com os nossos olhos aquilo que não conseguiríamos se não tivéssemos aqueles instrumentos”, diz o pesquisador, “o interessante é que eles expandem as possibilidades científicas e artísticas também”, completa.

Mas como funciona o processo de montar uma imagem? Alguns telescópios são capazes de capturar até 7 comprimentos de ondas diferentes, em imagens separadas. Imagine um quebra-cabeça, temos sete peças, cada uma com informações diferentes e precisamos unir todas elas para formar apenas uma. Apesar de parecer trivial, esse processo envolve o conhecimento por parte do profissional de saber como o humano irá perceber uma imagem. Nesse ponto a ciência abre um pouco de espaço para o trabalho artístico e subjetivo de tentar compreender a visão de outros.

Fotografias tiradas de uma mesma galáxia sob sete diferentes comprimentos de ondas e, no centro, a imagem final com a soma e tratamento de todas.

“Muitas vezes, retratando uma figura de uma maneira diferente, você permite ao cientista ver algo que ele não estava vendo antes. Afinal de contas, cada uma dessas imagens têm uma dimensão diferente. Se as misturarmos ou fazermos uma subtração vamos ver outra coisa. Então as combinações e cores revelam informações novas, e isso não é só uma questão científica, é também uma questão artística. Aquilo que vamos prestar atenção, aquilo que vai conectar com algo que achamos fazer sentido é algo que diz respeito ao nosso cérebro, a nossa intuição, a como nós, dentro de processos que são criativos, como nós descobrimos essas coisas novas”, concluiu o professor.

E se mudarmos nossa perspectiva e pararmos de analisar fotos a partir de equipamentos e olharmos para elas apenas com as características que nossa visão nos proporciona? A verdade é que hoje não teríamos tantas maneiras diferentes de estudar o universo se, desde as primeiras civilizações, os seres humanos não tentassem mapear o céu. Assim, à medida que a sociedade e a ciência iam evoluindo, as formas de registro também evoluiam. Através de pinturas, desenhos e números se buscavam maneiras cada vez mais eficientes de preservar a informação que ele continha.

Foi então, no século XIX, que esse processo de mapeamento deu um salto: fotógrafos, inventores e cientistas trabalharam juntos para buscar formas de registrar o céu através de máquinas e obter imagens que tivessem um alto grau de duração, precisão e qualidade. Assim, quando Louis Daguerre, apresentou o daguerreótipo, em 1839, cientistas dos mais variados campos perceberam a importância que aquele equipamento teria em seus estudos. Surgiu, dessa forma, a primeira promessa de realizar uma geografia dos céus e, com ela, os grandes primeiros registros astronômicos.

O daguerreótipo foi inventado pelo físico e pintor Louis Daguerre. O aparelho fixava as imagens obtidas na câmara escura numa folha de prata sobre uma placa de cobre.

Durante quase duas décadas as únicas fotos que a humanidade tirou eram direcionadas da terra para o céu, até 1858, quando o fotógrafo francês Félix Nadar sobrevoou Paris em um balão, tirando as primeiras fotografias áreas, invertendo, pela primeira vez, nossa visão. Imaginem como foi para as pessoas de Paris, pela primeira vez na vida, vendo uma foto tirada de cima para baixo. A partir de então outras fotos áreas foram surgindo, muitas tiradas de aviões de espionagem durante a segunda guerra mundial. Mais tarde, o pintor Malevich, olhando para as imagens começou a pensar na distância, no espaço, como algo que se conectava com as pessoas muito mais no nível dos sentidos do que no racional. Muitas vezes não se sabia o que se estava vendo nas fotografias, assim, o conteúdo delas se tornou secundário, enquanto a forma passava a ganhar importância despertando a “sensibilidade pura”.

“Que paisagem é essa que é vista do céu?” pergunta Cristina.

Quando as primeiras imagens dos astros surgiram, elas impactaram a população, elas não eram apenas belas mas traziam consigo uma grandiosidade e um assombro que se conectavam diretamente com a dimensão sensível. Assim, por um lado tínhamos a produção das imagens e, do outro, a imaginação humana sendo alimentada. Como exemplos temos Julio Verne escrevendo livros de “ficção possível”, como ir ao centro da Terra ou ir até a Lua e, mais tarde, no início do século XX vamos ter Méliès, fazendo um filme, sobre uma viagem da Lua, que gerou a icônica imagem desse satélite sendo atingido por um foguete.

“O homem já tinha sonhado com a viagem a Lua, ele já tinha sonhado com essa visibilidade, era algo possível. Então quando a Earth Rise é registrada pela Apollo 8 em 1968, é meio louco, porque o homem já tinha sonhado com aquilo, mas é uma realização daquele sonho”, comenta Cristina.

Earth Rise. A imagem original apresentava a terra surgindo da lateral da Lua, a NASA tratou a fotografia e deixou a lua na base.

As imagens do universo serviram, e continuam servindo até hoje, de inspiração para as mais diversas expressões artísticas e para instigar a curiosidade humana em busca de mais conhecimento sobre o universo, o que gera o desenvolvimento de novas tecnologias. Além disso, elas são umas das responsáveis pelo surgimento da ficção científica, que tem seu marco inicial com a Guerra dos Mundos de H. G. Well e vem evoluindo desde então, chegando ao ponto de serem feitas superproduções unindo cientistas e artistas, como foi o caso de Interstellar, um filme de Christopher Nolan que trabalhou com a colaboração de Kip Thorne, físico da Caltech, especialista em ondas gravitacionais.

Ficção científica será o tema do próximo Ciência em Diálogo no IMS: Física e Arte e, para levantar essa discussão, os convidados são o astrofísico Rodrigo Nemmen, que trabalha com astrofísica e buracos negros, e o escritos e tradutor Antônio Xerxenesky, autor de “As perguntas, F”. O evento acontecerá no dia 4 de maio, às 19:00, no Instituto Moreira Salles (Av. Paulista, 2424 – Consolação). A palestra é gratuita e conta com a distribuição de fichas 60 minutos antes do início. Para mais informações acesse: http://outreach.ictp-saifr.org/dialogo/ ou https://ims.com.br/eventos/ciencia-em-dialogo-fisica-e-arte/

Em busca do lado escuro do Universo

Written by Malena Stariolo on April 16th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Na última edição do Papos de Física a professora de física, Ivone Albuquerque, falou sobre a misteriosa matéria escura e sobre o quão pouco conhecemos o nosso universo 

A professora Ivone Albuquerque falando sobre matéria escura no Tubaína Bar

“Quando você olha para o céu, o que você vê?” Com esse questionamento a professora Ivone Albuquerque, começou a discussão sobre “O lado escuro do universo”. Pesquisadora na área de astrofísica de partículas, a cientista foi a convidada do mês de abril para realizar mais uma edição do Papos de Física, que aconteceu na  primeira quinta-feira do mês, dia 05 de abril, no Tubaína Bar. Voltemos a pergunta que deu início a palestra e a essa matéria, o que você vê quando olha para o céu?

Se for em São Paulo, não muita coisa, como brincou a professora, mas se nos afastarmos um pouquinho mais e fazermos nossa observação em um local longe de toda a iluminação da grande cidade, poderemos ver milhões de pontinhos brilhantes na escuridão que representam milhões de astros espalhados pelo universo. A grande responsável por nos permitir essa experiência, e por nos tornar capazes de ver qualquer objeto a nossa volta, é a luz.

A luz, por si só, carrega muita informação que astrônomos e cosmólogos usaram ao longo do tempo para aprender mais sobre o espaço no qual estamos inseridos. Por meio dela podemos determinar, por exemplo, qual é a distância de uma estrela até o nosso planeta, com base no tempo que a luz percorre até alcançar a Terra. Por isso a medida de distância utilizada na astronomia é calculada em anos/luz. Quando se diz que um objeto está a 2,5 milhões de anos-luz, como é o caso da Galáxia de Andrômeda, significa que sua luz demorou 2,5 milhões de anos para chegar até nós, ou seja, muitos dos pontinhos brilhantes que vemos no céu podem não existir mais! Olhar para o céu, é olhar para a história do universo.

A luz visível está contida em uma pequena parte do chamado “espectro eletromagnético”, uma escala que também inclui ondas de rádio, micro-ondas, infravermelho, ultravioleta, raios-X e raios gama. Apesar dessas ondas serem imperceptíveis para nossa visão, elas carregam informações que podem ser medidas e analisadas com telescópios. Assim, tudo o que nós sabemos sobre os astros é determinado pela luz que chega até nós em suas diferentes faixas. Isso é uma indicação de que a matéria que nós conhecemos interage com a luz de diversas formas, o que nos permite descobrir suas propriedades e estudá-las, a partir da luminosidade dos astros podemos descobrir sua massa, por exemplo. Além do método do brilho, existe uma outra forma de determinar a massa das galáxias: usando o método orbital. Nesse método, esse cálculo é feito a partir das velocidades e dos raios orbitais das estrelas pertencentes a galáxia em estudo.

Espectro da Luz

Por volta de 1930, o físico Fritz Zwicky estudando o aglomerado de galáxias Coma, localizado a 300 milhões de anos luz da Terra, percebeu que a massa total obtida pelo método orbital era muito maior do que a massa total obtida pelo método de brilho. E ainda dentro dessa análise, já que massa e velocidade estão relacionadas, as velocidades individuais das galáxias dentro desse aglomerado eram tão grandes que provocariam a desagregação do aglomerado, o que obviamente não estava acontecendo. Zwicky concluiu que deveria haver uma grande quantidade de matéria invisível (matéria escura) segurando e mantendo coeso esse aglomerado graças à gravidade. Na época, os dados coletados pelo astrônomo traziam muitas incertezas o que fez com que a teoria fosse deixada de lado.

Isso até os anos 70, quando a cientista Vera Rubin estudando as velocidades orbitais das estrelas em Andrômeda, surpreendeu-se com o comportamento apresentado por estrelas distantes do centro dessa galáxia: ao invés de comportarem-se como os planetas do sistema solar, que diminuem sua velocidade conforme aumenta a distância em relação ao sol, estas permaneciam constantes. Vera Rubin concluiu que isso só seria possível se houvesse matéria escura em grande quantidade na parte mais exterior dessa galáxia. Assim foi confirmada a existência de matéria escura, mas não apenas isso, também foi determinado que, de toda a matéria que compunha o universo, 85% era desconhecida. A matéria escura ficou “escondida” por tanto tempo porque ela não interage de forma alguma com a luz, ou seja, não havia forma de observar sua existência.

Nessa situação, aquela velha frase de Sócrates “só sei que nada sei” é muito pertinente, porque mesmo hoje, com todo o avanço na tecnologia, conhecemos apenas 15% do universo, enquanto todo o resto permanece como um grande mistério. Mas, ao contrário da década de 30, agora cientistas do mundo inteiro não economizam energia em busca de formas de descobrir mais informações sobre a matéria escura, um componente tão misterioso quanto essencial do nosso universo.

Apesar de ainda não ter sido diretamente observada, ao longo dos anos foram surgindo diferentes indícios que comprovam sua existência, como a professora Ivone apresentou em sua fala: “Hoje existem várias outras observações completamente independentes das rotações de galáxias que indicam a existência de matéria escura, e o mais interessante é que elas indicam que a necessidade de matéria escura é a mesma quantidade que a determinada pela rotação de galáxias. Uma dessas medidas é o efeito chamado de lentes gravitacionais, previsto inicialmente por Einstein. Basicamente, ele indica que quando a luz se propaga pelo universo, a presença de matéria faz com que ocorra uma distorção no caminho dela. Ou seja, surgem trajetórias curvas devido a presença de matéria. O ângulo dessa curvatura depende da quantidade de matéria que ela atravessa, portanto, o ângulo de distorção nos permite determinar quanta matéria tem nessa galáxia. E, ao fazer essa medida, você chega na mesma conclusão que na rotação de galáxias. Mais uma vez a existência de matéria escura está confirmada”.

Fotografia retratando o efeito de lentes gravitacionais, notem como a trajetória da luz está curva

Outro efeito que a cientista demonstrou por meio de uma animação (que você pode ver abaixo) foi a colisão de dois aglomerados de galáxias. Quando dois aglomerados passam um pelo outro a matéria escura, por não interagir com a luz, também não interage com a matéria conhecida, fazendo com que ela passe reto pela colisão, enquanto a matéria “comum” se choca e interage mesclando-se. “A matéria escura, em azul, passa como se a outra galáxia não existisse e no meio, a matéria conhecida interage e se concentra. Se você medir onde está a maior parte da matéria depois dessa colisão, você vai ver que ela está na região azul, confirmando que a maior parte passa sem colidir, já que ela basicamente não interage em termos da luminosidade”, explicou.

E do que é composta a matéria escura? Essa é uma pergunta ainda sem resposta. “Nós já sabemos algo muito importante, nós sabemos que ela é composta por nada que conhecemos. Esses 15% de matéria conhecida, nós conhecemos muito bem e sabemos que ela não compõe a matéria escura”, destaca a cientista. Hoje diversos laboratórios no mundo buscam formas de tentar medir partículas que compõe a matéria escura para tentar encontrar uma definição. Ivone lembra que uma das grandes questões da física é conseguir determinar do que o universo é composto e, sermos capazes de, em algum momento, decifrar do que essa misteriosa matéria escura é composta seria um grande passo em busca de uma resolução para esse problema.

O Papos de Física é um evento mensal de divulgação científica, organizado pelo ICTP – SAIFR, que convida físicos para falarem, de forma descontraída, sobre novos avanços e outros temas que despertam nossa curiosidade. No próximo mês o evento fará parte da programação do Pint of Science Brasil, então acontecerá de uma forma um pouquinho diferente, serão três dias de debates com 2 palestrantes em cada dia.

  • No dia 14 de maio, uma segunda-feira, teremos o professor Gastao Krein (IFT-UNESP) falando sobre “A flecha do tempo: por que envelhecemos e nunca rejuvenescemos?” e Alberto Saa (UNICAMP) com “O conceito de infinito na física e matemática”;
  • Dia 15 de maio, terça-feira, os convidados são Oscar Eboli (IF-USP) que apresentará “Constituintes da matéria: elétrons, quarks, Higgs…” e Marcelo Yamashita (IFT-UNESP) para discutir “Ciência versus pseudociência”;
  • Por último, no dia 16 de maio, quarta-feira, teremos Odylio Aguiar (INPE) com uma apresentação sobre “Ondas Gravitacionais: prêmio Nobel de Física de 2017” e Victor Rivelles (IF-USP) com “O que é a teoria de cordas?”.

O local continua sendo o de costume: Tubaína Bar (R. Haddock Lobo, 74 – Cerqueira César). Fique atento ao site do ICTP para mais informações!