Archive for November, 2019

Qual a importância da Diversidade em STEM?

Written by Adrianna Virmond on November 28th, 2019. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Demanda por diversidade é cada vez maior no meio científico. Em outubro, o ICTP-SAIFR sediou dois workshops internacionais para discutir essa questão.

A escolha por uma carreira acadêmica na área de STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática) é individual. Ela é influenciada por vários aspectos sociais, econômicos e culturais, que vão além do acesso à educação de cada um, e não são diretamente relacionadas ao gênero de cada um. Porém, historicamente, essas profissões são ocupadas majoritariamente por homens. O crescente ingresso de mulheres nessas áreas nos últimos anos, no Brasil e no mundo, tem levantado o debate acerca da diversidade nas áreas de Ciência e Tecnologia.

Em outubro, o ICTP-SAIFR, centro de pesquisa associado ao IFT-UNESP, sediou dois eventos voltados para a discussão sobre a diversidade na Ciência e Tecnologia: o Workshop sobre Habilidades para Jovens Cientistas e o Workshop Aumentando a Diversidade em STEM. Realizados de forma consecutiva, os eventos se fundiram em um só e reuniram dezenas de participantes, em sua maioria mulheres, de toda a América Latina para uma semana de discussões e debates.

Zélia Ludwig, professora de física da UFJF, falou sobre sua pesquisa, trajetória e as dificuldades encontradas por ser uma mulher negra num meio majoritariamente ocupado por homens.

Os primeiros dias de evento contaram, principalmente, com palestras de pesquisadoras bem estabelecidas, compartilhando suas trajetórias, experiências pessoais e dificuldades enfrentadas. Relatos inspiradores de pesquisadoras como Marcia Barbosa (UFRGS), Zélia Ludwig (UFJF) e Katemari Rosa (UFBA) trouxeram reflexões e dados sobre a presença feminina no ambiente acadêmico, sua importância, e críticas à situação atual. A professora Katemari Rosa (UFBA) falou sobre sua pesquisa em ensino de física e também abordou a falta de representatividade de outras minorias e grupos marginalizados na ciência, como as populações negra, indígena e LGBTQ+.

Num ambiente acolhedor, muitas vezes o público se identificou com as histórias contadas e momentos de troca de relatos e vivências ocorreram ao final de cada apresentação. Também nos dois primeiros dias de evento, foi exibido o curta metragem “Women in Science”, produzido por uma estudante de Bacharelado em Física na USP. Este filme traz cenas baseadas em relatos reais de “pequenas violências” sofridas no ambiente acadêmico. Para saber mais sobre o filme e sua produção, veja essa matéria.

O público se sentiu confortável e acolhido durante o evento. Diversas oportunidades para trocar experiências pessoais ocorreram.

O workshop também contou com uma mesa redonda sobre Etnicidade, da qual participaram as professoras Katemari Rosa (UFBA), Zelia Ludwig (UFJF), Lilia Meza Montes (BUAP, México) e os professores Henrique Cunha Jr. (UFC) e Antônio Carlos Fontes dos Santos (UFRJ). Lilia Montes trouxe dados sobre as políticas públicas do governo do México para aumentar a quantidade de indígenas na Academia e falou sobre a importância delas. O professor Henrique Cunha apresentou cientistas negros pioneiros, em geral desconhecidos pelas pessoas, segundo ele, justamente pela invisibilidade de negros na Academia. São eles: Juliano Moreira, médico e psiquiatra; Theodoro Sampaio, engenheiro e urbanista; Manuel Quirino, pioneiro em estudos antropológicos no país; e Virginia Bicudo, psicanalista, socióloga e uma das precursoras dos estudos de Sociologia Negra no Brasil. 

Zélia Ludwig e Antonio Santos questionaram os estereótipos da figura do cientista e reforçaram a necessidade de incentivar jovens negros e mulheres a entrar nas áreas de STEM. Por fim, a professora Katemari Rosa contou sobre o projeto que vem desenvolvendo – o “Contando nossa História”. Esse projeto visa criar uma base de dados de cientistas negros no Brasil, hoje e no registro histórico: “um dos objetivos é resgatar uma identificação da população negra brasileira com as ciências e nossa produção intelectual”, comenta a professora. Ela também busca, a partir das narrativas orais da vida de cientistas, produzir materiais didáticos e plataformas online, que sejam amplamente utilizadas pelo público dentro e fora das salas de aula.

Mesa redonda sobre Etnicidade (da esquerda para a direita): Katemari Rosa (UFBA), Antônio Carlos Fontes dos Santos (UFRJ), Zelia Ludwig (UFJF), Henrique Cunha Jr. (UFC) e Lilia Meza Montes (BUAP, México).

Ao longo da semana de eventos, foram discutidas diversas estratégias para combater e modificar o desequilíbrio de diversidade que a Academia apresenta. Dentre as principais abordagens apresentadas, reunimos abaixo três grandes categorias: identificar, incentivar e divulgar.


Identificar 

Avaliar a presença de mulheres e minorias nas áreas de STEM não se resume a experiências pessoais dos envolvidos, embora falar sobre o tema seja importante para essas pessoas. Os participantes do workshop, por exemplo, destacaram a troca de experiências, em especial entre cientistas mais experientes e jovens pesquisadoras; a noção de pertencimento e construção de identidade como pesquisador e a criação de redes de apoio pessoal e colaboração científica são vantagens desse tipo de evento.

Antes de discutir medidas concretas, o primeiro passo fundamental é levantar dados: mapear, quantitativamente, a distribuição de mulheres e outras minorias nas mais diversas áreas de STEM. Por isso, várias das palestras também apresentaram dados estatísticos sobre a presença feminina nos ambientes acadêmicos, desde a graduação até bolsas de incentivo a pesquisadores e premiações. Independentemente da área, país ou minoria analisada, à medida que se avança na carreira acadêmica, o número de mulheres, negros, índios e lgbtq+ diminuem drasticamente – um fenômeno conhecido como “teto de vidro” (por conta dele, a ascensão na carreira é mais difícil à medida que esta avança, em especial para as minorias reportadas).

No workshop, foram apresentados os dados preliminares da pesquisa global de cientistas, promovida pelo Projeto Global de Disparidade de Gênero (em inglês, Global Gender Gap in Science Project). Realizada em 2018, esta pesquisa coletou mais de 34 mil respostas de todo o mundo, e buscou caracterizar a disparidade de gênero em STEM. Na América Latina, cerca de 4000 pessoas responderam ao questionário. O projeto ainda está processando os dados e disponibilizará no site os resultados finais. Durante o workshop no ICTP, foram apresentados  os resultados preliminares.

Na pesquisa, 53% dos respondentes se identificaram como mulheres, e, embora sugira proporção igualitária entre homens e mulheres na STEM na América Latina, é necessário manter em mente que esta pesquisa foi obtida a partir do preenchimento voluntário de formulários online e, portanto, não necessariamente reflete a proporção de gênero que efetivamente ocorre na Academia. De maneira geral, os dados mostram que mulheres são menos propensas a realizar pesquisa fora dos países de origem, ocupar posições de chefia e em comitês, tanto em suas instituições ou em agências de fomento.

Os dados mais contrastantes sobre as experiências de homens e mulheres na Academia dizem respeito à discriminação, assédio e impacto da maternidade/paternidade em suas vidas. Ao serem questionados sobre os motivos pelos quais sofreram discriminação ao longo da carreira, 49% das mulheres indicam gênero, contra apenas 2% dos homens pelo mesmo motivo. A segunda maior fonte de discriminação reportada é a idade. Esta é a maior queixa dos homens, com indicação de 12% dos respondentes; entre as mulheres, 23% se sentiu prejudicada por conta da idade.

Resultados preliminares da pesquisa “Global Gender Gap” para a América Latina, apresentados durante o evento por Laura Merner (AIP Statistical Research Center, EUA).

Interrupções significativas durante o doutorado ocorrem em taxas semelhantes entre homens (13%) e mulheres (20%), porém, os motivos são muito diferentes. Cerca de 40% das mulheres relatam a maternidade como principal motivo da interrupção; entre os homens, o mesmo motivo é o 8° da lista, ocorrendo em apenas 9% de casos. O principal motivo de interrupção dos estudos para os respondentes do sexo masculino é impedimento financeiro. Quanto ao assédio sexual, aproximadamente ⅓ de homens e mulheres reportaram “ouvir falar” de casos em seus institutos. Entretanto, quando se trata de experiências pessoais, 24% das mulheres relatam terem vivido essas situações, enquanto apenas 6% dos homens se queixam pelo mesmo motivo.

Como é a situação de gênero no IFT-UNESP e no ICTP-SAIFR?

Um rápido levantamento do perfil de estudantes, professores, pesquisadores e funcionários que fazem parte do IFT-UNESP e/ou do ICTP-SAIFR mostra que a disparidade de gênero existe. O IFT é um instituto de pós-graduação e pesquisa, assim como o ICTP-SAIFR. Dessa forma, a reduzida presença de mulheres é, provavelmente, reflexo também da já limitada presença feminina na graduação em física. Veja o gráfico abaixo, que resume a proporção entre homens e mulheres dos institutos, com dados levantados em outubro de 2019.

Infográfico mostrando a distribuição de homens e mulheres nas categorias do IFT/UNESP e ICTP-SAIFR. Para estudantes de mestrado e doutorado, o número total de pessoas foi normalizado para 20, e a distribuição de homens e mulheres reflete a proporção das categorias. No caso dos pós-doutorandos, docentes e funcionários, estão representados o número total de indivíduos e a proporção entre homens e mulheres.

Nathan Berkovits, diretor do ICTP-SAIFR, comenta que o ingresso no curso de mestrado no IFT-UNESP é parcialmente baseado nos resultados de um exame oferecido anualmente pelo ICTP-SAIFR para os melhores alunos de graduação e que, desde 2005, somente uma mulher ficou entre os 5 melhores colocados nesse exame. O diretor explica ainda que gostaria de aumentar a diversidade do corpo docente do ICTP-SAIFR mas, por conta do reduzido número de mulheres na Física Teórica, a competição internacional pelas melhores pesquisadoras é “feroz”: “nos últimos 3 concursos para professores permanentes no IFT, quatro candidatas muito fortes desistiram porque conseguiram posições nos EUA e na Europa” comenta.

O ICTP-SAIFR também busca incentivar mais meninas a escolherem a Física como profissão. O centro promove anualmente o Aventuras em Física Teórica, uma série de minicursos para estudantes de ensino médio, cujo objetivo é introduzir os alunos a assuntos de Física Teórica e despertar o interesse por essa área. Para participar, os estudantes passam por uma seleção e o público convocado é sempre composto pelo mesmo número de meninas e meninos. Apesar de serem convocados em proporção igual, de maneira geral, mais meninos comparecem às aulas (cerca de 65% contra 35% de meninas).


Incentivar

Diversas palestras focaram na importância de incentivar mulheres e minorias a entrar e permanecer nas áreas de STEM. Esse incentivo pode se dar de várias formas, dependendo do público alvo, e incluem bolsas de estudos, ações afirmativas, e premiações por alto desempenho.

O México foi um dos exemplos citados no workshop, como um país que conta com bolsas de estudos voltadas para minorias. Lá, existem alguns programas de incentivo à educação da população indígena, que possui índices de analfabetismo e falta de acesso à educação muito superiores à média do país, entre eles projetos específicos para meninas (veja aqui os projetos). No país, também existem diversas outras bolsas específicas para mulheres, incluindo variedades para mães solo inseridas no ensino superior, com excelente histórico acadêmico; bolsas de pós graduação para mulheres indígenas; e bolsas de pós doutorado em parceria com o Canadá. Essas bolsas são ações afirmativas importantes, mas ainda não conseguem suprir o problema de equidade de gênero na Academia. Isso sugere que mais ações devem ser tomadas, incluindo a implementação de políticas públicas, conforme discutido durante o workshop.

Premiações para pesquisadoras de destaque também são uma forma de incentivar as mulheres nas áreas de STEM, além disso, prêmios dados a cientistas em início de carreira também são frequentes. Durante o workshop, a física Marcia Barbosa, que recebeu o L’Oréal-UNESCO Awards for Women in Science em 2013, ressaltou a importância de dar o reconhecimento às conquistas das mulheres através destes prêmios. Outras premiações para mulheres em áreas de STEM existem, uma lista destas pode ser encontrada na wikipedia.

Outra forma de incentivar mais mulheres a seguirem carreira nas áreas de STEM é dar suporte para meninas em idade de formação. “É preciso incentivar as meninas desde cedo” pode ter sido uma das frases mais faladas durante a semana de evento. Assim, a última forma de incentivo faz uma ponte com o terceiro tipo de iniciativa: divulgar.


Divulgar

Entrar no mundo da STEM depende de diversos fatores sócio-econômicos e culturais, que influenciam a escolha dos indivíduos, mas aparentemente favorecem o ingresso de homens. Por isso, a necessidade de incentivar mais meninas e mulheres a entrarem nesse mundo é um consenso entre todos os participantes do Workshop de Diversidade: é necessário adotar medidas que atinjam tanto as meninas que já se interessavam por ciência, quanto aquelas que “ainda não sabem que se interessam”. Assim, a divulgação científica se torna ferramenta protagonista na tarefa de trazer mais diversidade para as áreas de STEM.

Diversas iniciativas de divulgação científica têm surgido nos últimos anos, em geral, motivadas pela democratização e valorização do conhecimento científico. Além de suprir a curiosidade daqueles que já se interessam por ciência e tecnologia, a divulgação científica tem se tornado, cada vez mais, uma ferramenta de “recrutamento”, principalmente de crianças e adolescentes. Alguns projetos apresentados durante o Workshop, como o “Tem menina no circuito” e o “Meninas na Física”, organizadas por alunas e professoras do Instituto de Física da UFRJ, são voltados para meninas em idade de formação escolar. Estes e outros projetos de divulgação procuram não somente ensinar conteúdos de ciência de forma fácil e acessível, mas também mostrar que existem mulheres cientistas no país: “Representatividade importa”, como relataram diversas palestrantes ao contar sobre seus projetos de divulgação.

Fazer divulgação científica para o público geral também tem impactos positivos para os pesquisadores. Germana Barata, professora e pesquisadora do Labjor – Unicamp (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo), mostrou que, ao fazer publicações nas redes sociais sobre artigos recém-publicados, o número de acessos aos mesmos quase dobra, em comparação aos meses em que não há essa divulgação. Segundo ela, isso ocorre mesmo que os textos sejam em linguagem acessível, ou seja, divulgar para público leigo acabou atraindo mais pessoas de público especializado.

O último dia de workshop foi destinado às apresentações dos participantes, onde, mais uma vez, a divulgação científica mostrou seu potencial. A apresentação de Milene Alves-Eigenheer, com páginas de redes sociais de várias iniciativas de sucesso está disponível no site do evento. Por fim, como “tarefa para casa”, o público foi desafiado a utilizar mais suas redes sociais pessoais para falar de suas pesquisas e seu dia a dia como cientistas, e ajudar na quebra dos estereótipos da Academia.

Experiência imersiva com óculos de realidade virtual mostra o dia a dia das estudantes de física

Written by Adrianna Virmond on November 19th, 2019. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Projeto de estudante de física da USP propõe mostrar, de forma respeitosa e ao mesmo tempo combativa, a realidade da vivência de alunas de cursos majoritariamente frequentados por homens.

Empatia é um conceito cujo significado é relativamente bem conhecido – a capacidade de se identificar com outra pessoa, de se colocar no lugar dela. Porém, praticar a empatia é uma tarefa muito mais complicada, especialmente quando as pessoas envolvidas têm realidades muito contrastantes. O projeto da estudante Dindara Galvão, da USP, consistiu na produção de um curta metragem sobre as dificuldades encontradas na carreira acadêmica por conta do gênero. Ela utiliza óculos de realidade virtual para oferecer uma experiência imersiva, colocando o espectador no lugar das protagonistas, experimentando na pele situações comumente vividas por graduandas das áreas de exatas.

Participantes do Workshop de Diversidade assistiram ao curta-metragem com óculos de realidade aumentada (Foto: Dindara Galvão).

A iniciativa já existia antes, como projeto da pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP, mas com um formato completamente diferente: a ideia era produzir uma peça de teatro que contava a trajetória de uma pesquisadora, através de relatos reais. Quando Dindara assumiu, adaptou o foco para algo que lhe era mais familiar: sua vivência como aluna do bacharelado em física “como eu vivi muitas coisas na graduação, eu achei que seria importante trazer essa visão”. Para potencializar o alcance e distribuição do trabalho, a estudante optou por produzir um curta metragem e seu orientador, o professor Caetano Miranda (IFUSP), propôs utilizar uma câmera 360° e tornar essa experiência imersiva.

O grupo organizou questionários online para recolher relatos de mulheres das graduações de diversos institutos de ciências exatas da Universidade de São Paulo (Instituto de Física (IFUSP), Matemática (IME-USP), Química (IQ-USP) e Astronomia Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP). Os roteiros das cenas do curta metragem foram escritos a partir das situações mais recorrentes nos relatos. O curta tem 10 cenas que, embora independentes, são organizadas numa sequência lógica. Ele ilustra a carreira acadêmica desde o início, logo após a aprovação no vestibular, até o reconhecimento como pesquisadora, encenada numa “corrida pelo Nobel”. Cada cena representa situações negativas vivenciadas pelas mulheres no ambiente acadêmico, incluindo difamação, humilhação, invisibilização por colegas e professores, assédio, a questão da maternidade, entre outros.

Bate-papo sobre um dos temas mais polêmicos da atualidade: o Aquecimento Global

Written by Adrianna Virmond on November 13th, 2019. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

No dia 03 de outubro aconteceu mais uma edição do Papos de Física, evento mensal de divulgação científica promovido pelo ICTP-SAIFR, centro de pesquisa associado ao IFT-UNESP. Nesta edição o público pôde conversar com a profa. Dra. Ilana Wainer, professora do Instituto Oceanográfico da USP (IO-USP), que discutiu os Efeitos Climáticos do Oceano.

A professora Ilana Wainer (IO-USP) explicou sobre as mudanças climáticas e quais evidências científicas comprovam sua existência.

 

Algumas semanas antes da realização do Papos de Física, o IPCC (Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas) divulgou o mais recente Relatório Especial sobre o Oceano e a Criosfera (regiões da superfície terrestre cobertas permanentemente por gelo e neve). Aproveitando os dados divulgados neste relatório, a professora apresentou as principais evidências que comprovam o aquecimento global e quais as perspectivas (otimistas ou não) sobre o futuro do planeta.

 

Antes de mais nada, a professora esclareceu a diferença entre tempo e clima. Tempo compreende as condições e mudanças meteorológicas que estão ocorrendo no agora. Clima, por outro lado, compreende padrões médios de variação das condições atmosféricas ao longo de um período prolongado de tempo. Assim, falar que está fazendo sol é falar sobre o tempo, mas falar que normalmente em janeiro faz calor e chove, é falar sobre clima. Quando falam de aquecimento global e mudanças climáticas, os cientistas olham para esses padrões de variação ao longo do tempo, em escalas globais.

 

Mas antes de entrar no polêmico aquecimento global, vamos entender um pouco sobre a influência dos oceanos no clima.

 

O planeta Terra, como um todo, é um sistema complexo onde diversos agentes se relacionam. Isso se aplica também ao clima, que é influenciado e atua sobre a biosfera (que comporta os ecossistemas do planeta), a litosfera (rochas e estrutura interna terrestre), a hidrosfera (água em seus diferentes ambientes) e, obviamente, a atmosfera (camada de gases que envolve o planeta). As interações entre essas diferentes “esferas” ocorrem em escalas espaciais e temporais distintas, mas todas exercem algum impacto no controle do clima global. No Papos de Física de outubro, Ilana focou nas interações entre atmosfera e hidrosfera (em especial, os oceanos) e seu efeito sobre o clima.

 

Ilana explicou que os oceanos são como o ar condicionado da Terra e têm um papel fundamental na redistribuição de calor no planeta. A água retém mais calor que a atmosfera e, por conta das correntes oceânicas, o calor é distribuído. As correntes são divididas entre correntes superficiais, mais quentes, e correntes de fundo oceânico, mais frias. Elas são influenciadas por diversos fatores, incluindo ventos, marés, densidade da água e o movimento de rotação da Terra. Até a topografia do fundo oceânico e das costas influencia na velocidade das correntes.

 

Mesmo que as marés exerçam influência nas regiões próximas às costas, a principal força motriz das correntes superficiais é a atmosfera.

 

A ação dos ventos movimenta mais ou menos 10% do volume do oceano, atuando diretamente nas camadas mais superiores de água. Estas, por sua vez, influenciam a movimentação das camadas logo abaixo, e assim por diante. Dessa forma, os ventos podem influenciar o movimento de água até a profundidade de 400m.

 

Mas os oceanos são muito mais profundos do que 400m. Se os ventos só conseguem influenciar até essa profundidade, deve haver outro mecanismo responsável pela movimentação das correntes profundas, certo? Exato. As correntes profundas são controladas, principalmente, pela densidade da água do mar.

 

Ao se movimentar em direção aos pólos, a temperatura da água diminui. Nessas regiões, a salinidade é maior, ou seja, a concentração de sal dissolvido aumenta – isso ocorre porque parte da água é aprisionada em cristais de gelo, deixando as moléculas de sal para trás, concentradas na água líquida. A água mais fria e “salgada” é mais densa que a água que chega nessas regiões e afunda, criando correntes de movimentação vertical chamada circulação termoalina. A movimentação de águas profundas em direção à superfície também carrega nutrientes que sustentam a base das cadeias alimentares marinhas.

 

Correntes superficiais quentes (vermelho) e correntes profundas, frias (azul). Essas grandes correntes de circulação de água funcionam como um “ar condicionado” do planeta. (Imagem: NASA).

 

A ação conjunta das correntes oceânicas superficiais e profundas mantém o equilíbrio do clima no planeta todo. Ou pelo menos costumava manter… Apesar da complexidade do sistema controlando o clima, o equilíbrio é, na verdade, frágil, e “pequenas” perturbações podem ter consequências grandes.

 

Como sabemos que o planeta está aquecendo?

 

No IPCC centenas de cientistas de todo o mundo recolhem dados sobre o clima global para avaliar os impactos do aquecimento global. Comprova-se que o planeta está, de fato, aquecendo a partir de diversos indicadores. Vamos conhecer alguns deles?

Diversos indicadores mostram que a temperatura média do planeta está aumentando e que as mudanças climáticas são reais. Veja o texto para entender um pouco mais sobre cada indicador.

 

Diminuição das geleiras

Talvez o mais conhecido e impactante indicador do aquecimento global é o derretimento das geleiras. Imagens de satélite mostram a cobertura de gelo marinho no Ártico cada vez menor nas últimas décadas.

 

Umidade específica do ar

A umidade específica do ar também tem aumentado no passar dos anos. Isso significa mais vapor d’água no ar. A princípio, ter mais água não parece um problema, mas, na verdade, o vapor d’água é um gás estufa poderosíssimo e contribui para o aumento da temperatura.

 

Calor dos oceanos

Também há registro do aumento do conteúdo de calor nos oceanos. Já existem evidências de que as temperaturas estão aumentando na superfície dos oceanos e até os primeiros 700m de profundidade. Isso afeta diretamente os frágeis ecossistemas marinhos, e também a população que depende dele para se alimentar.

 

Aumento do nível do mar

Diversas localidades já registram aumento do nível do mar no mundo. Isso é causado tanto pelas taxas aceleradas de derretimento das geleiras do Ártico, como também pela expansão térmica dos oceanos (por conta do aumento de temperatura). Estima-se que atualmente o nível do mar sobe 3.6 mm por ano.

 

Temperatura da baixa atmosfera

A atmosfera é dividida em algumas camadas, de acordo com a distância em relação ao solo. Nós habitamos a troposfera, a camada mais baixa, que compreende até 12km de altitude, e fica abaixo da camada de ozônio. Medidas sistemáticas da temperatura dessa camada mostram que ela tem esquentado nos últimos anos. Aliás, comparado à época pré-Revolução Industrial, a temperatura já subiu 1°C! Isso acontece por que os gases de efeito estufa se acumulam na atmosfera e retém o calor irradiado da superfície e elevando a temperatura.

 

 

A atmosfera do planeta é dividida em camadas: troposfera, estratosfera, mesosfera, termosfera e exosfera. Nós habitamos a troposfera, a camada mais baixa, que vai até 12km de altura. Um pouco acima disso, se encontra a conhecida camada de ozônio (Fonte freepik user).

 


Aliás, o que é o Efeito Estufa?

 

Primeiro, precisamos saber que o Efeito Estufa é natural e, na verdade, garante a vida na Terra.

 

Na agricultura, as estufas são utilizadas para cultivar plantas mais sensíveis, e que não sobreviveriam ao clima no exterior. Dentro de uma estufa, a radiação solar passa pelas paredes de vidro e é absorvida pelas plantas e outras estruturas dentro dela. Parte da radiação é irradiada de volta, mas fica presa conta das paredes de vidro. Dessa forma, é possível cultivar plantas independente das variações climáticas das estações do ano. De forma semelhante, o planeta Terra também está dentro de uma estufa – a nossa atmosfera.

 

Quando a radiação solar chega na Terra, parte dela é refletida de volta para o espaço pelas camadas mais externas da atmosfera. Uma outra pequena parcela é refletida de volta para o espaço nas grandes geleiras, por conta da cor branca dessas superfícies. O restante é absorvido pelos oceanos e massas de terra do planeta. A Terra irradia parte do calor absorvido de volta para o espaço, mas uma porcentagem acaba presa na atmosfera, por conta dos gases do efeito estufa existentes, e isso mantém o planeta aquecido. Se não fosse esse efeito, a Terra poderia ser até 33°C mais fria, o que inviabilizaria a vida por aqui (pelo menos nas formas como a conhecemos hoje). 

 

Os gases do efeito estufa incluem vapor d’água, dióxido de carbono (conhecido como gás carbônico – CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), ozônio e os componentes clorofluorcarbonos (CFCs). Com exceção dos CFCs, que são utilizados para refrigeração, todos esses gases são naturais e estão presentes na atmosfera terrestre, em proporções variadas. A grande questão é que o estilo de vida que levamos hoje, com grande dependência de combustíveis fósseis e emissão de gases, potencializa o efeito estufa, contribuindo para o aumento da temperatura do planeta.

 

O efeito estufa ocorre naturalmente no planeta e garante temperaturas amenas. O problema é a intensificação do efeito, por conta da emissão de gases do efeito estufa (Imagem mundoeducacao).

 

E para onde vai esse calor em excesso? Por enquanto, para o oceano (uma das causas do aumento da sua temperatura). Estima-se que os oceanos sejam responsáveis por absorver cerca de 93% do calor em excesso da atmosfera. Por enquanto, eles são capazes de fazer isso, mas Ilana alertou que já estamos nos aproximando de um “ponto de inflexão”, e que talvez os oceanos não sejam capazes de absorver o calor em excesso por muito tempo. As consequências disso podem ser severas, acelerando as mudanças que já estão ocorrendo e aumentando ainda mais a temperatura.

 

Como as mudanças climáticas já estão afetando o planeta?

 

  • O aquecimento do oceano é acompanhado da diminuição do pH e diminuição da quantidade de O2 dissolvido na água. O resultado é morte de parte significativa da vida marinha e alteração do equilíbrio químico dos oceanos;
  • Além disso, o aquecimento do oceano prejudica a mistura entre camadas de profundidades diferentes, gerando a estagnação da água. Isso implica em menos oxigenação das camadas e menor circulação de nutrientes, também impactando a vida marinha;
  • O nível do mar já aumentou em algumas partes do planeta. As mudanças variam de lugar para lugar, mas é importante lembrar que quase 2 bilhões de pessoas moram a menos de 100km da costa, e toda essa população está em perigo com variações drásticas do nível do mar;
  • Chuvas, ciclones tropicais e outros eventos extremos que atingem as costas têm se intensificado;
  • O aumento do nível do mar também é associado com maior incidência de inundações, enchentes, secas, erosão e danos para infra-estrutura de regiões próximas à costa, desaparecimento de ilhas oceânicas e contaminação de aquíferos;
  • Cenários otimistas prevêem o aumento do nível do mar em 60cm até 2100, isso caso sejam implementadas, agora, medidas e políticas públicas comprometidas com a diminuição da emissão de gases de efeito estufa. Em cenários mais pessimistas, onde não existe controle algum, calcula-se que a elevação pode ser de até 1 metro!

 

Com as predições do novo relatório do IPCC, Ilana alertou que devemos cobrar posicionamento e políticas públicas dos governantes, para ajudar a conter as mudanças climáticas no mundo todo. Alguns efeitos já são irreversíveis, como apontou a pesquisadora, e é necessário agir agora para evitar que os cenários mais pessimistas se concretizem.

 

O Papos de Física é um evento mensal de divulgação científica promovido pelo ICTP-SAIFR, que ocorre todo início de mês no Tubaína Bar (R. Haddock Lobo, 94). Nesses eventos, físicos levam assuntos de ciência que despertam curiosidade do público para uma conversa informal e descontraída, de forma acessível a todos. A última edição do ano, aconteceu no dia 07 de novembro, com o tema “Sistemas Complexos: o Olhar da Física”. Fique atento ao blog para saber como foi o evento e nas nossas redes sociais para saber da programação de 2020!

 

Para saber mais sobre mudanças climáticas: