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Pesquisadores do ICTP-SAIFR criam modelo que relaciona movimentação de animais com dinâmica populacional usando ferramentas da física
Estudo foi publicado nesta quinta (11) em revista acadêmica de prestígio na área de Ecologia
Felipe Saldanha*
Um novo modelo matemático, baseado na interface entre Física e Biologia, relaciona pela primeira vez padrões de movimentação de animais, observados a partir de dados de rastreamento, com a forma como sua população cresce e se estrutura. Essa é uma ligação que ecólogos têm procurado estabelecer desde a década de 1950 e pode contribuir para orientar políticas públicas de preservação. O trabalho “O modelo logístico com áreas de vida” foi publicado nesta quinta-feira (11 de dezembro) na Ecology Letters, uma das mais prestigiosas revistas científicas da área de Ecologia.
O modelo – resultante de tese de doutorado defendida no Instituto de Biociências da USP – foi desenvolvido por Rafael Menezes, pesquisador do ICTP-SAIFR e pós-doutorando com bolsa Fapesp, sob orientação de Ricardo Martínez-García, do Centro para Estudos de Sistemas Avançados (CASUS-HZDR, Alemanha) e pesquisador associado ao ICTP-SAIFR. O ICTP-SAIFR é um centro internacional de pesquisa sediado no Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e financiado pela Fapesp e outras instituições públicas e privadas.
Os modelos logísticos remetem a uma equação formulada pelo matemático belga Pierre François Verhulst em 1838, capaz de estimar corretamente o crescimento populacional. O gráfico gerado por essa equação apresenta uma curva em “S”, que demonstra haver um limite para esse crescimento. Como explica Rafael Menezes, “populações não crescem para sempre – existe um ponto a partir do qual a região está tão cheia de animais que não tem alimento, espaço, ou outro recurso para todo mundo e a população acaba atingindo uma abundância máxima”.
O trabalho publicado na Ecology Letters consegue relacionar de forma precisa movimentação animal com dinâmica populacional – ou seja, como o crescimento (ou declínio) de uma população está ligado aos deslocamentos de cada animal no espaço – ao levar em conta as áreas de vida: os espaços onde os animais moram e no qual obtêm alimento e cuidam dos seus filhotes (veja mais detalhes no infográfico abaixo). As áreas de vida podem ser medidas com precisão graças a avanços recentes em tecnologia de rastreamento e análises estatísticas.

Um influente estudo de 2020 – liderado por Ricardo Martinez-Garcia em coautoria com alguns dos autores do trabalho publicado agora na Ecology Letters – já relacionava áreas de vida com a frequência de interações entre pares de indivíduos. Por serem muito complexas, é difícil prever como essas interações podem influenciar a dinâmica da população como um todo. O pesquisador aponta que aqui entra a contribuição da Física dos Sistemas Complexos, fornecendo modelos teóricos para explicar esses processos, bem como os algoritmos e ferramentas computacionais para analisar esses modelos.
No trabalho de 2025, foram usados modelos estocásticos, que conseguem representar de forma mais realista e menos simplificada o que realmente é observado na natureza, além de constituir um avanço em relação à equação logística original: “O modelo original de Verhulst era determinístico. Em um modelo determinístico a história de uma população é sempre a mesma, desde que a condição inicial se repita. No estocástico, sempre existe um pouco de aleatoriedade, mesmo em condições idênticas”, explica Rafael Menezes.
Assim, a pesquisa deu continuidade ao caminho aberto pelo artigo de 2020 e ampliou o olhar, passando de pares de animais para uma grande quantidade de animais, além de incluir o efeito que essas interações têm nas taxas de reprodução e morte dos indivíduos. Essa mudança de escala no estudo representou um desafio significativo: “Quando temos uma população inteira de animais, cada um vai ter seu próprio movimento e o número de interações fica enorme muito rapidamente”, afirma Rafael Menezes.
“A Física permitiu que fizéssemos uma síntese relativamente simples – e correta – disso. Nós identificamos e resumimos toda essa complexidade em apenas um número: o coeficiente de aglomeração para animais com áreas de vida, que pode ser calculado a partir de dados de rastreamento de indivíduos, como GPS”, continua. O coeficiente “dá uma indicação de como os animais estão interagindo entre si em uma população – eles estão se evitando, estão tentando passar mais tempo próximos uns dos outros, ou são um tanto indiferentes?”
Ainda segundo o físico-ecólogo, esse modelo pode ser adaptado para investigar questões como o tamanho que uma reserva natural precisa ter para proteger a população de uma espécie nativa. “Um caso particular que estamos investigando agora é o que ocorre com uma população quando uma rodovia é construída no meio do habitat, como uma floresta, ou o Cerrado, por exemplo. Sem levar em conta o movimento dos animais, não temos como responder isso”. Rafael Menezes confia que será possível colaborar com outros pesquisadores para adaptar essa teoria “para as características de um estado ou região e utilizá-la para guiar políticas públicas”.
*Jornalista de ciência e coordenador de comunicação do ICTP-SAIFR.
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