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Pesquisadores do ICTP-SAIFR criam modelo que relaciona movimentação de animais com dinâmica populacional usando ferramentas da física

Written by Felipe Saldanha on December 18th, 2025. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Estudo foi publicado nesta quinta (11) em revista acadêmica de prestígio na área de Ecologia

 

Felipe Saldanha*

 

Um novo modelo matemático, baseado na interface entre Física e Biologia, relaciona pela primeira vez padrões de movimentação de animais, observados a partir de dados de rastreamento, com a forma como sua população cresce e se estrutura. Essa é uma ligação que ecólogos têm procurado estabelecer desde a década de 1950 e pode contribuir para orientar políticas públicas de preservação. O trabalho “O modelo logístico com áreas de vida” foi publicado nesta quinta-feira (11 de dezembro) na Ecology Letters, uma das mais prestigiosas revistas científicas da área de Ecologia.

O modelo – resultante de tese de doutorado defendida no Instituto de Biociências da USP – foi desenvolvido por Rafael Menezes, pesquisador do ICTP-SAIFR e pós-doutorando com bolsa Fapesp, sob orientação de Ricardo Martínez-García, do Centro para Estudos de Sistemas Avançados (CASUS-HZDR, Alemanha) e pesquisador associado ao ICTP-SAIFR. O ICTP-SAIFR é um centro internacional de pesquisa sediado no Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e financiado pela Fapesp e outras instituições públicas e privadas.

Os modelos logísticos remetem a uma equação formulada pelo matemático belga Pierre François Verhulst em 1838, capaz de estimar corretamente o crescimento populacional. O gráfico gerado por essa equação apresenta uma curva em “S”, que demonstra haver um limite para esse crescimento. Como explica Rafael Menezes, “populações não crescem para sempre – existe um ponto a partir do qual a região está tão cheia de animais que não tem alimento, espaço, ou outro recurso para todo mundo e a população acaba atingindo uma abundância máxima”.

O trabalho publicado na Ecology Letters consegue relacionar de forma precisa movimentação animal com dinâmica populacional – ou seja, como o crescimento (ou declínio) de uma população está ligado aos deslocamentos de cada animal no espaço – ao levar em conta as áreas de vida: os espaços onde os animais moram e no qual obtêm alimento e cuidam dos seus filhotes (veja mais detalhes no infográfico abaixo). As áreas de vida podem ser medidas com precisão graças a avanços recentes em tecnologia de rastreamento e análises estatísticas.

Um influente estudo de 2020 – liderado por Ricardo Martinez-Garcia em coautoria com alguns dos autores do trabalho publicado agora na Ecology Letters – já relacionava áreas de vida com a frequência de interações entre pares de indivíduos. Por serem muito complexas, é difícil prever como essas interações podem influenciar a dinâmica da população como um todo. O pesquisador aponta que aqui entra a contribuição da Física dos Sistemas Complexos, fornecendo modelos teóricos para explicar esses processos, bem como os algoritmos e ferramentas computacionais para analisar esses modelos.

No trabalho de 2025, foram usados modelos estocásticos, que conseguem representar de forma mais realista e menos simplificada o que realmente é observado na natureza, além de constituir um avanço em relação à equação logística original: “O modelo original de Verhulst era determinístico. Em um modelo determinístico a história de uma população é sempre a mesma, desde que a condição inicial se repita. No estocástico, sempre existe um pouco de aleatoriedade, mesmo em condições idênticas”, explica Rafael Menezes.

Assim, a pesquisa deu continuidade ao caminho aberto pelo artigo de 2020 e ampliou o olhar, passando de pares de animais para uma grande quantidade de animais, além de incluir o efeito que essas interações têm nas taxas de reprodução e morte dos indivíduos. Essa mudança de escala no estudo representou um desafio significativo: “Quando temos uma população inteira de animais, cada um vai ter seu próprio movimento e o número de interações fica enorme muito rapidamente”, afirma Rafael Menezes.

“A Física permitiu que fizéssemos uma síntese relativamente simples – e correta – disso. Nós identificamos e resumimos toda essa complexidade em apenas um número: o coeficiente de aglomeração para animais com áreas de vida, que pode ser calculado a partir de dados de rastreamento de indivíduos, como GPS”, continua. O coeficiente “dá uma indicação de como os animais estão interagindo entre si em uma população – eles estão se evitando, estão tentando passar mais tempo próximos uns dos outros, ou são um tanto indiferentes?”

Ainda segundo o físico-ecólogo, esse modelo pode ser adaptado para investigar questões como o tamanho que uma reserva natural precisa ter para proteger a população de uma espécie nativa. “Um caso particular que estamos investigando agora é o que ocorre com uma população quando uma rodovia é construída no meio do habitat, como uma floresta, ou o Cerrado, por exemplo. Sem levar em conta o movimento dos animais, não temos como responder isso”. Rafael Menezes confia que será possível colaborar com outros pesquisadores para adaptar essa teoria “para as características de um estado ou região e utilizá-la para guiar políticas públicas”.

 

*Jornalista de ciência e coordenador de comunicação do ICTP-SAIFR.