Discutindo a Matéria Escura

Written by Ivan Cardoso on May 28th, 2017. Posted in Uncategorized

O South American Dark Matter Workshop aproximou diferentes visões no estudo de um dos maiores mistérios da física.

33870361933_66f5891af6_z

O ICTP-SAIFR, localizado no prédio do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, organizou, entre os dias 10 e 12 de maio, o South American Dark Matter Workshop (Workshop Sul Americano em Matéria Escura). O objetivo foi trazer pesquisadores de ponta de diversas nacionalidades que estudam a matéria escura em diferentes ramos da física, estimular discussões, debates e compartilhamento de descobertas recentes.

A matéria escura é um dos grandes enigmas contemporâneos da física. Ela recebe esse nome por não emitir ou interagir com radiações eletromagnéticas, como a luz, e apesar de não ter sido observada diretamente, sua existência e suas propriedades foram inferidas a partir de seu efeito sobre a matéria visível. Como exemplo, é possível citar o trabalho de Vera Rubin e Kent Ford nos anos 70 com curvas de velocidade em galáxias em espiral, uma das evidências mais fortes e mais recentes da matéria escura. A hipótese mais aceita sobre sua composição diz que é formada por WIMPs (sigla em inglês para “weakly interacting massive particles”), que seriam partículas massivas que interagiriam apenas através da gravidade e potencialmente não fariam parte do modelo padrão das partículas (que prevê a existência de próton, nêutrons e outras partículas elementares).

Por ser um problema complexo, a matéria escura é estudada por diferentes ângulos. Enquanto as observações e evidências são puramente astrofísicas, as motivações são teóricas. Fabio Iocco, um dos organizadores do evento, disse ser essa uma das motivações do workshop: “Esses três dias nos permitiram aproximar todos os lados do problema, trazer especialistas experimentais, como os astrofísicos, que trabalham com observações diretas e indiretas, e os teóricos, como físicos de partículas, e os fenomenólogos, que unem essas duas visões.”

As observações diretas da matéria escura são objeto de grande esforço intelectual e interdisciplinar, existindo diferentes formas de tentar detectá-la. Uma delas, apresentada por Graciela Gelmini, da UCLA, são laboratórios subterrâneos que tentam detectar o efeito que WIMPs causam em núcleos atômicos ao passarem pela Terra. Esses efeitos, porém, são geralmente recuos de baixa energia no núcleo, e os detectores devem ser extremamente sensíveis. Para isso, é necessário reduzir a interferência de raios cósmicos, que atingem a Terra continuamente, e por isso esses experimentos são realizados a mais de um quilômetro abaixo do solo, geralmente em minas desativadas. Por exigirem altos investimentos, a maioria destes laboratórios está localizado no hemisfério norte, mas Gelmini apresentou em sua palestra e depois numa mesa redonda exclusiva para o assunto, a possibilidade de construção de um dos primeiros laboratórios deste tipo no hemisfério sul, o “Agua Negra Deep Experiment Site” (ANDES), localizado na cordilheira dos Andes, entre Chile e Argentina. “Isso vai nos ajudar muito na detecção, pois a interferência de raios cósmicos está diretamente relacionada à sazonalidade. E como as estações são inversas nos dois hemisférios, as observações do norte e do sul podem se complementar e corrigir anomalias causadas por interferências em observações na mesma época”, disse.

Já as observações indiretas procuram por sinais da interação ou decaimento de WIMPs no universo. Teoriza-se que em regiões de alta densidade de matéria escura, como o centro da nossa galáxia, duas partículas deste tipo poderiam se aniquilar ou decair, produzindo sinais inesperados, como raios gama ou partículas do modelo padrão. “Porém, para se encontrar o inesperado, é preciso saber muito bem o que é esperado”, comentou Iocco.

Outra vertente de busca de evidências da matéria escura são os experimentos com colisores de partículas, como o LHC. Como uma partícula de matéria escura deve ter interações insignificantes com a matéria visível normal, pode ser detectada indiretamente como grandes quantidades de energia e momento que escapam dos detectores, desde que sejam detectados outros produtos não negligenciáveis de colisão. Essas descobertas, porém, teriam de ser corroboradas pelas descobertas diretas ou indiretas para provar que são partículas de matéria escura. Por isso a importância de se unir os diferentes ramos que a estudam.

 Além disso, o evento também contou com a participação de estudantes, pesquisadores e professores interessados no tema, e a recepção foi positiva. “Foi muito bom entrar em contato com outras formas de pesquisa da matéria escura”, disse Gabriela Rodrigues, estudante de mestrado na Unicamp, que pesquisa a detecção direta de matéria escura através de WIMPS. “Me ajudou na minha própria pesquisa ver outros pontos de vista, outras teorias, e saber como podem se abrir mais portas para além do que eu estou fazendo.”