Resenha: “O Cerne da Matéria – A aventura científica que levou à descoberta do Bóson de Higgs”, de Rogério Rosenfeld

Written by Ricardo Aguiar on February 23rd, 2015. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

O físico do IFT/Unesp e do ICTP-SAIFR conta de uma perspectiva única, para cientistas e não cientistas, a fascinante história que culminou na descoberta do Bóson de Higgs

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Em 4 de julho de 2012, o Large Hadron Collider (LHC), acelerador de partículas do CERN, anunciou a descoberta do Bóson de Higgs. Na sala da Divisão de Teoria, Rogério Rosenfeld, que passava um ano sabático no laboratório europeu, acompanhava ao vivo o evento histórico. O livro que estava escrevendo durante sua visita ganhava um emocionante capítulo. Em “O Cerne da Matéria – A aventura científica que levou à descoberta do Bóson de Higgs”, lançado em 2013 e 2º lugar do Prêmio Jabuti 2014 na categoria Ciências Exatas, Tecnologia e Informática, não apenas temos a oportunidade de conhecer a perspectiva de quem estava dentro do CERN naquele ano, mas também aprendemos, com uma linguagem compreensível a todos, sobre a história da Física de Partículas e sobre a evolução dos aceleradores, que culminou em uma das mais importantes descobertas da ciência.

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“Na época em que estava decidindo onde passar o ano sabático, ainda havia muita incerteza sobre o CERN”, diz Rosenfeld. “Em 2008, ocorreu um grave acidente que adiou o início das atividades do LHC em mais de um ano. E, em 2010, quando começou a funcionar, seu desempenho foi muito abaixo do esperado. Muitos estavam pessimistas. Mas o que aconteceu lá nos anos seguintes superou a expectativa de todos”.

Nessa resenha, destacarei alguns dos muitos aspectos interessantes de “O Cerne da Matéria”.

A história da Física de Partículas – A transição entre o estudo de raios cósmicos e os aceleradores

Antes de falar sobre aceleradores e o Bóson de Higgs, o livro nos conta um pouco da história da Física de Partículas.

A pergunta fundamental que essa área tenta responder é: do que é feito o universo? Quais são as partículas mais fundamentais da natureza, aquelas que compõe toda a matéria e explicam todas as forças? Os aceleradores de partículas são atualmente o melhor método para tentar responder essas perguntas, mas como eram os estudos da área antes deles?

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Os raios cósmicos ajudaram, por exemplo, na descoberta do píon. (Fonte da figura: “O papel das emulsões nucleares na institucionalização da pesquisa em física experimental no Brasil”)

“Os aceleradores começaram a ser desenvolvidos na década de 1930”, fala Rosenfeld. “Antes disso, a busca por novas partículas se dava pelo estudo de raios cósmicos  – era preciso esperar a incidência desses raios na atmosfera terrestre para tentar detectar novas partículas”. O processo era lento e difícil de replicar.

Já nos aceleradores, a ideia é arremessar partículas em altas velocidades e energias umas contra as outras, dentro de um sistema extremamente controlado. A colisão de partículas, como prótons, pode gerar novas partículas, como quarks, que são detectadas e estudadas. A construção de um acelerador, entretanto, é um processo complexo e exige um planejamento de longo prazo.

A evolução dos aceleradores de partículas

Rogério Rosenfeld nos conta que o primeiro acelerador de partículas, construído em 1931 por Ernest O. Lawrence e chamado de Cíclotron, usava uma energia de 2 mil volts para acelerar prótons a uma energia de 80 mil elétron-volts (80 keV). O aparelho tinha um diâmetro de 11cm. O LHC, em 2012, acelerou prótons a uma energia de 4 TeV em seus túneis de 27km de extensão. Isso é 50 milhões de vezes mais do que o Cíclotron construído por Lawrence.

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Foto do LHC. (Crédito: CERN)

Para obter tal energia, o campo magnético do LHC chega a 8,4 Tesla, cerca de 100 mil vezes maior que o campo da Terra. Os 1232 eletroímãs responsáveis por gerar esse campo pesam 35 toneladas cada e são mantidos a uma temperatura de 271,3 oC abaixo de zero, para evitar perda de energia devido à resistência elétrica.

Em “O Cerne da Matéria”, Rosenfeld nos mostra toda a evolução de ideias e de tecnologia que possibilitaram a construção do faraônico LHC – isso tudo sem esquecer dos aspectos políticos e econômicos: a forte competição entre Europa e Estados Unidos pelo melhor acelerador de partículas do mundo e a corrida pela descoberta do Bóson de Higgs.

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A descoberta do Bóson de Higgs, o Modelo Padrão e o futuro da Física de Partículas

O Bóson de Higgs era a última peça de um quebra-cabeça, a última partícula que faltava para que o Modelo Padrão ficasse completo. O modelo previa a existência do Campo de Higgs, que seria o responsável por dar origem à massa de todas as partículas elementares. Com a confirmação de que a partícula desse campo realmente existe, o quebra-cabeça está montado, a teoria está completa.

Além do Campo de Higgs, o Modelo Padrão também explica três das quatro forças da natureza – o eletromagnetismo, a Força Forte e a Força Fraca. Entretanto, há fenômenos que o modelo não consegue explicar. A gravidade, por exemplo, não está contida nele. A matéria escura e a energia escura, que juntas compõe aproximadamente 95% do universo, também não são explicadas.

Um dos maiores desafios da Física é conciliar a explicação de todos esses fenômenos. Esse é o objetivo de teorias como as supersimétricas, a Teoria das Cordas e a teoria do Higgs composto.

“Não existe nenhuma evidência de desvio do Modelo Padrão em aceleradores de partículas”, diz Rosenfeld. “Não há evidências de que a Teoria das Cordas esteja correta nem de que o Bóson de Higgs seja composto. Achava-se que a supersimetria seria descoberta com o LHC, pois uma de suas previsões é a existência de partículas supersimétricas para cada partícula do Modelo Padrão. Porém, isso não aconteceu. Se elas existirem, tem uma massa maior do que é possível detectar atualmente. O LHC será ligado de novo em meados desse ano, com uma energia de 13 TeV. Não sei dizer se novas partículas serão descobertas. Só posso dizer que espero que sim”.