Archive for April, 2017

A Importância de Vera Rubin para a ciência e o mundo

Written by Ivan Cardoso on April 13th, 2017. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Vera Rubin em 2009 Fonte: Wikipedia

Vera Rubin em 2009 (Fonte: Wikipedia)

Fãs de ficção científica nos filmes, televisão, literatura e videogames provavelmente já se depararam com a misteriosa Matéria Escura cruzando o caminho de seus heróis durante alguma aventura intergalática. É o caso da nebulosa de matéria escuras com a qual o famoso Capitão Picard teve que lidar em Star Trek: A Nova Geração. Ou, na mais recente série, The Flash, onde ela aparece como um forte agente mutagênico, transformando humanos em metahumanos dotados de super poderes. E na hilariante série animada Futurama, onde foi representada como o material defecado pela raça alienígena dos Nibblonianos e usada como combustível de naves espaciais.

Não existe na ficção um consenso sobre o que é e do que é feita a Matéria Escura, reflexo do que a ciência sabe sobre ela: muito pouco. Isso aumenta o mistério sobre essa substância que compõe aproximadamente 27% de toda a massa e energia do Universo observável. Até o nome, Matéria Escura, é um reflexo do quão pouco os cientistas sabem sobre ela, sendo o “Escura” referente ao fato de ainda não ter sido observada diretamente. Mas sua existência e suas propriedades únicas foram descobertas e estudadas graças a uma cientista da qual você talvez não tenha escutado muito na escola ou na televisão: Vera Rubin (1918-2016).

Graduada em astronomia pela Vassar College em 1948, foi em 1951, durante seu mestrado na Cornell University que Vera Rubin publicou resultados de uma pesquisa que causariam controvérsia no mundo da cosmologia. Rubin contradizia uma das ideias centrais da teoria do Big Bang como era concebida na época. Postulava-se que o Universo estaria em constante expansão e que as galáxias estariam se distanciando de um ponto central, o ponto onde a grande explosão teria ocorrido. Ela, ao contrário, argumentou que as galáxias estariam não apenas se distanciando deste ponto central, mas também orbitando-o. A ideia foi recebida com uma enxurrada de críticas, a maioria negativa, por ser uma idéia, até então, não-ortodoxa.

Não se deixando abalar, deu seguimento a suas pesquisas acerca da movimentação das galáxias, obtendo em 1954 o PhD na Georgetown University sob orientação de George Gamow. Em sua tese, Rubin mais uma vez apresentou uma ideia que ia contra outra suposição da teoria do Big Bang, a de que as galáxias se espalhavam de forma aleatória e homogênea no Universo. Ela, por sua vez, argumentou que as galáxias se agrupavam, formando clusters. Essa ideia, descreditada a princípio, só seria levada a sério por outros cientistas duas décadas mais tarde. Hoje, a ideia de galáxias formando clusters não apenas é aceita, mas fortemente comprovada em diversos estudos.

Após obter seu título de doutora, Rubin trabalhou como assistente de pesquisa na Georgetown University, e em 1962 passou a fazer parte do quadro docente da instituição. Em 1965, porém, conseguiu atingir duas posições de grande importância para sua carreira e a de outras cientistas. A primeira, como a primeira mulher a receber permissão de uso para os equipamentos do Observatório Palomar, pertencente ao California Institute of Technology (Caltech) e lar do famoso telescópio Hale. Antes dessa conquista, mulheres não eram permitidas acesso ao prédio. A segunda, garantindo uma posição como pesquisadora no Departamento de Magnetismo Terrestre (DTM, na sigla em inglês) da Carnegie Intitute, em Washington, onde conheceria seu grande amigo Kent Ford e desenvolveria seu trabalho mais impactante. Lá, desejando se distanciar de mais controvérsias, Rubin escolheu como objeto inicial de suas pesquisas as curvas de rotação da Galáxia de Andrômeda, vizinha da nossa própria galáxia, a Via Láctea.

Nas galáxias, estrelas orbitam ao redor de um centro, estando algumas mais próximas e outras mais distantes, muito semelhante ao que observamos no Sistema Solar, mas em escala maior. Curvas de rotação, apesar do nome algo críptico para leigos em cosmologia, são gráficos simples usados para descrever a velocidade de órbita dessas estrelas em relação à distância em que se encontram do centro da galáxia.

Como exemplo, vamos dar um passo abaixo na escala cósmica e observar o nosso conhecido Sistema Solar. Ao redor do Sol, orbitam oito planetas: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Enquanto Mercúrio, o planeta mais próximo do centro, demora aproximadamente ¼ de ano terrestre para completar uma volta ao redor do Sol, Netuno, o mais distante, demora em torno de 165 anos terrestres. Isso ocorre, pois a gravidade exercida pelo Sol não age de forma igual em todos os planetas,  sua força diminui quanto maior a distância. Assim, a força gravitacional que o Sol exerce sobre Mercúrio é maior do que a exercida sobre Netuno, e isso influencia sua velocidade orbital. Expressas num gráfico, onde X representa a distância em relação ao Sol e Y representa a velocidade em km/s, as velocidades orbitais dos oito planetas apareceriam como uma curva decrescente: quanto maior a distância do Sol, menor a força gravitacional sentida e menor a velocidade orbital.

Agora voltemos às galáxias. Em tese, elas deveriam funcionar como o sistema solar: quanto maior a distância de uma estrela em relação ao centro da galáxia, menor sua velocidade de rotação ao redor deste centro, correto? Errado.

Apesar de ser o esperado, não foi o que Rubin e Ford obervaram ao estudarem a Galáxia de Andrômeda. Eles notaram que, na verdade, o inverso ocorria. As estrelas mais distantes do centro da galáxia se moviam a velocidades semelhantes, se não iguais, às estrelas mais próximas do centro. Intrigados, resolveram olhar para outras galáxias, acreditando que encontrariam um erro em suas observacões iniciais, mas encontraram o mesmo fenômeno se repetindo em todas elas. Procurando por uma explicação, perceberam que a gravidade das estrelas constituintes das galáxia não era capaz de resolver aquele problema, e pior, criava um novo problema: se ela fosse a única força atuando, então, teoricamente, não haveria força suficiente para mantê-las unidas, e as galáxias se desmembrariam.

Assim, Rubin e Ford, em 1970, teorizaram a existência de uma grande quantidade de massa invisível que estaria exercendo uma força gravitacional intensa sobre as galáxias, permitindo que as estrelas mais distantes se movessem à mesma velocidade das estrelas mais próximas do centro, ao mesmo tempo em que mantinha as galáxias unidas. Essa massa, dizam eles, não poderia ser detectada por não emitir ou interagir com radiações eletromagnéticas, como a luz, base das observações de fenômenos cosmológicos, e portanto recebeu o nome de Matéria Escura. Mas apesar de não poder ser observada diretamente, suas propriedades e existência conseguem ser provadas através dos efeitos gravitacionais que exercem sobre a matéria visível do Universo, as estrelas, os planetas, as galáxias.

A simples existência da Matéria Escura nos mostra o quão pouco sabemos do Universo em que habitamos, e que talvez existam forças influenciando as estrelas e seu movimento (e, quem sabe, até nos influenciando) das quais ainda podemos não ter conhecimento algum. E por isso, precisamos de mais pesquisadoras e pesquisadores como Vera Rubin, para nos ajudar a entender o que continua escondido na parte escura do nosso Universo. E quem sabe, com pesquisa suficiente, não conseguiremos, nós mesmos, utilizar essa Matéria Escura como combustível de nossas naves espaciais?

Na fronteira entre biologia, física, América Latina e o mundo

Written by Ivan Cardoso on April 13th, 2017. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Ministrada no Instituto de Física Teórica, escola internacional aproximou diferentes áreas de conhecimento sobre questões em comum.

O ICTP-SAIFR, localizado no Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, em parceria com o Nordic Institute for Theoretical Physiscs (NORDITA), da Suécia, organizou, entre os dias 13 e 24 de março, a School on Biological Soft Matter, com o tema “From molecular interactions to engineered materials”. As aulas versaram sobre a matéria mole (soft matter, em inglês), um termo utilizado na física e na biofísica para se referir a sistemas físicos de interação de compostos facilmente deformados por variações térmicas, como líquidos, polímeros e diversos materiais biológicos, como as estruturas e propriedades físicas encontradas dentro de células vivas.

A escola teve como objetivo trazer aos alunos inscritos conceitos básicos em biologia celular e molecular, bem como a física envolvida nessas estruturas para que os alunos aprendessem como aplicá-los às questões que estão investigando em suas pesquisas. Dividida em dois blocos, a escola focou, na primeira semana, em conceitos chave de biologia e física, enquanto a segunda semana foi mais voltada para temas de bioengenharia, aliando, nas palestras ministradas, conceitos básicos com pesquisas atualmente desenvolvidas na área de soft matter. Segundo Samuela Pasquali, da Université Sorbonne Paris Cité, uma das organizadoras da escola, “a ideia é dar aos alunos uma perspectiva ampla do que está acontecendo hoje em dia na área e fornecer ferramentas necessárias para investigações futuras”.

Voltada para alunos de graduação e pós-graduação, bem como pesquisadores das áreas de mecânica estatística, ciência dos materiais, biofísica e nanotecnologia, a escola atraiu alunos majoritariamente da América Latina, mas também de outros países, incluindo Itáila, Canadá e Índia. Além de comparecer às aulas, os alunos também foram convidados a fazer apresentações orais ou de pôsteres sobre seus próprios projetos de pesquisa.

Professores e alunos após uma das palestras da escola

Professores e alunos após uma das palestras da escola

 Essa diversidade de áreas de formação e nacionalidades foi um dos pontos fortes da escola, como salientou Fernando Luís Barroso da Silva, da USP-Ribeirão Preto, também organizador: “Um dos lados positivos dessa escola é que os alunos começam a aprender novas ferramentas, conceitos, e fazer cooperações que podem ser proveitosas para a pesquisa que estão desenvolvendo ou para trabalhos futuros, podendo aplicar o que aprendem aqui sobre um determinado tema em outros projetos.” Da Silva, atualmente, está publicando um artigo com Natalia Montellano, pós-graduanda da Universidad Nacional de Rosario, na Argentina, que participou de uma das primeiras edições da escola e agora retorna para atualizar seus conhecimentos na área. “A interação é proveitosa, pois aprendo com os outros alunos e professores. É como um duplo aprendizado, e posso compartilhar um pouco da minha própria experiência”, disse Montellano.

Os benefícios dessa migração de conhecimentos entre diferentes áreas foi bem exemplificada em uma das palestras da segunda semana, ministrada por Greg Huber, da University of California. Huber apresentou sua pesquisa com as rampas de Terasaki, estruturas tubulares helicoidais encontradas experimentalmente em membranas de organelas dentro de células, bem como previstas teoricamente na superfície de estrelas de nêutrons. A similaridade entre as estruturas, segundo ele, é surpreendente, pois os dois ambientes são extremamente diferentes em termos de tamanho e forças atuantes, apesar de serem sujeitos a fenômenos e condições que podem ser consideradas, em certa instância, análogas. “Isso mostra que os cientistas das duas áreas trabalham com linguagens diferentes, mas em cooperação podem se beneficiar. A estrutura já havia sido observada nas células, sempre esteve lá, mas não havia sido descrita da forma que um físico, com conhecimento em linguagem matemática e geométrica a descreveria”, disse Huber. “Podem existir outras estruturas interessantes dentro da célula que ainda não foram descritas da mesma forma.”

Por ser uma área de interface entre a biologia e a física, duas áreas que não necessariamente conversam em técnicas ou abordagens, adaptar as aulas para ambos os públicos foi um desafio que os organizadores tinham em mente na hora de conceber a escola. “Alunos e professores de diferentes áreas precisam de bastante conhecimento em biologia e física e suas áreas de interface. E quando se está trabalhando nas duas áreas, não é possível fazer um sem saber o outro”, disse Pasquali. E continuou: “A física que se aplica, digamos, à molécula de DNA, é a mesma que se aplica à proteína ou nanobjeto que se está querendo produzir. No fundo, todos os cientistas tem o mesmo objetivo: compreender a natureza.”

Existem planetas lá fora?

Written by Ivan Cardoso on April 12th, 2017. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Em evento de divulgação científica, a física de exoplanetas é apresentada com descontração.

Na noite de terça-feira, 04 de abril, o bar-lavanderia Laundry Deluxe (Rua da Consolação, 2937, São Paulo) recebeu mais uma edição do Papos de Física, evento de divulgação científica organizado pelo ICTP-SAIFR. O evento, que ocorre mensalmente, tem o objetivo de levar a ciência para fora dos muros da universidade em linguagem acessível tanto ao público leigo quanto ao especializado. Este mês, o evento trouxe a Dra. Adriana Valio, astrofísica e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, para discorrer sobre exoplanetas.

Em vinte minutos de palestra, Valio apresentou ao público a definição de exoplanetas (planetas que orbitam estrelas e pertencem a sistemas solares diferentes do nosso), e que são mais comuns do que se possa pensar, sendo “descobertos com relativa frequência”, acrescentou. O número atual de exoplanetas descobertos já passa de três mil, e nos últimos vinte anos, com o avanço tecnológico dos telescópios, estão sendo descobertos e confirmados ainda mais, de tamanhos menores que a nossa Terra (chamados de Miniterras) a impressionantes tamanhos similares ao de Júpiter, o maior planeta do nosso sistema solar.

Os métodos usados para detectar novos exoplanetas também não ficaram de fora da palestra. O primeiro a ser citado foi o método da velocidade radial, principal forma de detecção de exoplanetas relativamente próximos do nosso sistema e também conhecido como “método Doppler”. O que ocorre é que tanto a estrela quanto o planeta a ela associado orbitam o mesmo ponto no centro do sistema, e seus movimentos podem ser detectados graças à variação no seu espectro de luz. Imagine uma ambulância passando na rua: o som de sua sirene parece mais agudo quando está se aproximando, e aparenta ficar mais grave quando está se distanciando. Isso é chamando de Efeito Doppler, e é o mesmo que acontece com a luz das estrelas, só que, ao invés de um som mais intenso ou lento, ela parece mudar de cor: azul quando está se aproximando e vermelha quando está se distanciando da Terra. Dessa forma, astrofísicos conseguem identificar a velocidade de rotação de uma estrela e medir qualquer alteração que possa sofrer, como a força gravitacional de um planeta orbitando ao seu redor.  O planeta exerce uma força muito menor sobre a estrela do que no caso contrário, porém é o suficiente para ser detectado. “Quanto maior a massa [do exoplaneta], maior o distúrbio na velocidade da estrela e mais fácil sua detecção”, disse Valio.

Outro método citado foi o “método de trânstito”, em que a sombra causada por um planeta quando passa em frente à sua estrela é o que permite sua detecção. Esse método, porém, só é possível quando a órbita do planeta está alinhada perpendicularmente com a Terra. Essa foi a técnica utilizada para detectar os sete planetas orbitando a estrela TRAPPIST-1, uma anã vermelha. Esse sitema, como anunciado pela NASA em fevereiro deste ano, levanta expectativas quanto à colonização dos planetas, pois, além de apresentaram tamanho semelhante ao da Terra, três deles estão dentro da chamada “zona habitável”: distância da estrela em que é possível a existência de água em estado líquido, essencial para a existência de vida como a nossa.

Após a palestra, o público, formado por jovens em sua maioria, foi convidado a fazer perguntas, e demonstraram grande curiosidade quanto à possibilidade de existir vida fora da Terra e de colonização de exoplanetas. Valio respondeu a todas as questões com desenvoltura e embasamento teórico, deixando claro que, apesar da astrobiologia (ramo da ciência que busca encontrar vida inteligente em outros planetas) estar voltando à cena com essas recentes descobertas, ainda não há resultados concretos. Quanto à colonização, Valio assegurou: “Se acontecer, nós que estamos aqui não vamos ver, nem nossos filhos. Talvez apenas nossos tataranetos, porque é algo que ainda vai demorar muito para ser possível.”

A próxima edição do Papos de Física será realizada em parceria com o Pint of Science, evento internacional de divulgação científica que acontecerá em 9 países, em mais de 100 cidades, nas noites de 15, 16 e 17 de maio.

Para mais informações e a lista dos palestrantes que estarão no Laundry deluxe, acesse: http://www.ictp-saifr.org/papos/

Para mais informações sobre o Pint of Science Brasil 2017, acesse: http://www.pintofscience.com.br/