Bate-papo sobre um dos temas mais polêmicos da atualidade: o Aquecimento Global

Written by Adrianna Virmond on November 13th, 2019. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

No dia 03 de outubro aconteceu mais uma edição do Papos de Física, evento mensal de divulgação científica promovido pelo ICTP-SAIFR, centro de pesquisa associado ao IFT-UNESP. Nesta edição o público pôde conversar com a profa. Dra. Ilana Wainer, professora do Instituto Oceanográfico da USP (IO-USP), que discutiu os Efeitos Climáticos do Oceano.

A professora Ilana Wainer (IO-USP) explicou sobre as mudanças climáticas e quais evidências científicas comprovam sua existência.

 

Algumas semanas antes da realização do Papos de Física, o IPCC (Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas) divulgou o mais recente Relatório Especial sobre o Oceano e a Criosfera (regiões da superfície terrestre cobertas permanentemente por gelo e neve). Aproveitando os dados divulgados neste relatório, a professora apresentou as principais evidências que comprovam o aquecimento global e quais as perspectivas (otimistas ou não) sobre o futuro do planeta.

 

Antes de mais nada, a professora esclareceu a diferença entre tempo e clima. Tempo compreende as condições e mudanças meteorológicas que estão ocorrendo no agora. Clima, por outro lado, compreende padrões médios de variação das condições atmosféricas ao longo de um período prolongado de tempo. Assim, falar que está fazendo sol é falar sobre o tempo, mas falar que normalmente em janeiro faz calor e chove, é falar sobre clima. Quando falam de aquecimento global e mudanças climáticas, os cientistas olham para esses padrões de variação ao longo do tempo, em escalas globais.

 

Mas antes de entrar no polêmico aquecimento global, vamos entender um pouco sobre a influência dos oceanos no clima.

 

O planeta Terra, como um todo, é um sistema complexo onde diversos agentes se relacionam. Isso se aplica também ao clima, que é influenciado e atua sobre a biosfera (que comporta os ecossistemas do planeta), a litosfera (rochas e estrutura interna terrestre), a hidrosfera (água em seus diferentes ambientes) e, obviamente, a atmosfera (camada de gases que envolve o planeta). As interações entre essas diferentes “esferas” ocorrem em escalas espaciais e temporais distintas, mas todas exercem algum impacto no controle do clima global. No Papos de Física de outubro, Ilana focou nas interações entre atmosfera e hidrosfera (em especial, os oceanos) e seu efeito sobre o clima.

 

Ilana explicou que os oceanos são como o ar condicionado da Terra e têm um papel fundamental na redistribuição de calor no planeta. A água retém mais calor que a atmosfera e, por conta das correntes oceânicas, o calor é distribuído. As correntes são divididas entre correntes superficiais, mais quentes, e correntes de fundo oceânico, mais frias. Elas são influenciadas por diversos fatores, incluindo ventos, marés, densidade da água e o movimento de rotação da Terra. Até a topografia do fundo oceânico e das costas influencia na velocidade das correntes.

 

Mesmo que as marés exerçam influência nas regiões próximas às costas, a principal força motriz das correntes superficiais é a atmosfera.

 

A ação dos ventos movimenta mais ou menos 10% do volume do oceano, atuando diretamente nas camadas mais superiores de água. Estas, por sua vez, influenciam a movimentação das camadas logo abaixo, e assim por diante. Dessa forma, os ventos podem influenciar o movimento de água até a profundidade de 400m.

 

Mas os oceanos são muito mais profundos do que 400m. Se os ventos só conseguem influenciar até essa profundidade, deve haver outro mecanismo responsável pela movimentação das correntes profundas, certo? Exato. As correntes profundas são controladas, principalmente, pela densidade da água do mar.

 

Ao se movimentar em direção aos pólos, a temperatura da água diminui. Nessas regiões, a salinidade é maior, ou seja, a concentração de sal dissolvido aumenta – isso ocorre porque parte da água é aprisionada em cristais de gelo, deixando as moléculas de sal para trás, concentradas na água líquida. A água mais fria e “salgada” é mais densa que a água que chega nessas regiões e afunda, criando correntes de movimentação vertical chamada circulação termoalina. A movimentação de águas profundas em direção à superfície também carrega nutrientes que sustentam a base das cadeias alimentares marinhas.

 

Correntes superficiais quentes (vermelho) e correntes profundas, frias (azul). Essas grandes correntes de circulação de água funcionam como um “ar condicionado” do planeta. (Imagem: NASA).

 

A ação conjunta das correntes oceânicas superficiais e profundas mantém o equilíbrio do clima no planeta todo. Ou pelo menos costumava manter… Apesar da complexidade do sistema controlando o clima, o equilíbrio é, na verdade, frágil, e “pequenas” perturbações podem ter consequências grandes.

 

Como sabemos que o planeta está aquecendo?

 

No IPCC centenas de cientistas de todo o mundo recolhem dados sobre o clima global para avaliar os impactos do aquecimento global. Comprova-se que o planeta está, de fato, aquecendo a partir de diversos indicadores. Vamos conhecer alguns deles?

Diversos indicadores mostram que a temperatura média do planeta está aumentando e que as mudanças climáticas são reais. Veja o texto para entender um pouco mais sobre cada indicador.

 

Diminuição das geleiras

Talvez o mais conhecido e impactante indicador do aquecimento global é o derretimento das geleiras. Imagens de satélite mostram a cobertura de gelo marinho no Ártico cada vez menor nas últimas décadas.

 

Umidade específica do ar

A umidade específica do ar também tem aumentado no passar dos anos. Isso significa mais vapor d’água no ar. A princípio, ter mais água não parece um problema, mas, na verdade, o vapor d’água é um gás estufa poderosíssimo e contribui para o aumento da temperatura.

 

Calor dos oceanos

Também há registro do aumento do conteúdo de calor nos oceanos. Já existem evidências de que as temperaturas estão aumentando na superfície dos oceanos e até os primeiros 700m de profundidade. Isso afeta diretamente os frágeis ecossistemas marinhos, e também a população que depende dele para se alimentar.

 

Aumento do nível do mar

Diversas localidades já registram aumento do nível do mar no mundo. Isso é causado tanto pelas taxas aceleradas de derretimento das geleiras do Ártico, como também pela expansão térmica dos oceanos (por conta do aumento de temperatura). Estima-se que atualmente o nível do mar sobe 3.6 mm por ano.

 

Temperatura da baixa atmosfera

A atmosfera é dividida em algumas camadas, de acordo com a distância em relação ao solo. Nós habitamos a troposfera, a camada mais baixa, que compreende até 12km de altitude, e fica abaixo da camada de ozônio. Medidas sistemáticas da temperatura dessa camada mostram que ela tem esquentado nos últimos anos. Aliás, comparado à época pré-Revolução Industrial, a temperatura já subiu 1°C! Isso acontece por que os gases de efeito estufa se acumulam na atmosfera e retém o calor irradiado da superfície e elevando a temperatura.

 

 

A atmosfera do planeta é dividida em camadas: troposfera, estratosfera, mesosfera, termosfera e exosfera. Nós habitamos a troposfera, a camada mais baixa, que vai até 12km de altura. Um pouco acima disso, se encontra a conhecida camada de ozônio (Fonte freepik user).

 


Aliás, o que é o Efeito Estufa?

 

Primeiro, precisamos saber que o Efeito Estufa é natural e, na verdade, garante a vida na Terra.

 

Na agricultura, as estufas são utilizadas para cultivar plantas mais sensíveis, e que não sobreviveriam ao clima no exterior. Dentro de uma estufa, a radiação solar passa pelas paredes de vidro e é absorvida pelas plantas e outras estruturas dentro dela. Parte da radiação é irradiada de volta, mas fica presa conta das paredes de vidro. Dessa forma, é possível cultivar plantas independente das variações climáticas das estações do ano. De forma semelhante, o planeta Terra também está dentro de uma estufa – a nossa atmosfera.

 

Quando a radiação solar chega na Terra, parte dela é refletida de volta para o espaço pelas camadas mais externas da atmosfera. Uma outra pequena parcela é refletida de volta para o espaço nas grandes geleiras, por conta da cor branca dessas superfícies. O restante é absorvido pelos oceanos e massas de terra do planeta. A Terra irradia parte do calor absorvido de volta para o espaço, mas uma porcentagem acaba presa na atmosfera, por conta dos gases do efeito estufa existentes, e isso mantém o planeta aquecido. Se não fosse esse efeito, a Terra poderia ser até 33°C mais fria, o que inviabilizaria a vida por aqui (pelo menos nas formas como a conhecemos hoje). 

 

Os gases do efeito estufa incluem vapor d’água, dióxido de carbono (conhecido como gás carbônico – CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), ozônio e os componentes clorofluorcarbonos (CFCs). Com exceção dos CFCs, que são utilizados para refrigeração, todos esses gases são naturais e estão presentes na atmosfera terrestre, em proporções variadas. A grande questão é que o estilo de vida que levamos hoje, com grande dependência de combustíveis fósseis e emissão de gases, potencializa o efeito estufa, contribuindo para o aumento da temperatura do planeta.

 

O efeito estufa ocorre naturalmente no planeta e garante temperaturas amenas. O problema é a intensificação do efeito, por conta da emissão de gases do efeito estufa (Imagem mundoeducacao).

 

E para onde vai esse calor em excesso? Por enquanto, para o oceano (uma das causas do aumento da sua temperatura). Estima-se que os oceanos sejam responsáveis por absorver cerca de 93% do calor em excesso da atmosfera. Por enquanto, eles são capazes de fazer isso, mas Ilana alertou que já estamos nos aproximando de um “ponto de inflexão”, e que talvez os oceanos não sejam capazes de absorver o calor em excesso por muito tempo. As consequências disso podem ser severas, acelerando as mudanças que já estão ocorrendo e aumentando ainda mais a temperatura.

 

Como as mudanças climáticas já estão afetando o planeta?

 

  • O aquecimento do oceano é acompanhado da diminuição do pH e diminuição da quantidade de O2 dissolvido na água. O resultado é morte de parte significativa da vida marinha e alteração do equilíbrio químico dos oceanos;
  • Além disso, o aquecimento do oceano prejudica a mistura entre camadas de profundidades diferentes, gerando a estagnação da água. Isso implica em menos oxigenação das camadas e menor circulação de nutrientes, também impactando a vida marinha;
  • O nível do mar já aumentou em algumas partes do planeta. As mudanças variam de lugar para lugar, mas é importante lembrar que quase 2 bilhões de pessoas moram a menos de 100km da costa, e toda essa população está em perigo com variações drásticas do nível do mar;
  • Chuvas, ciclones tropicais e outros eventos extremos que atingem as costas têm se intensificado;
  • O aumento do nível do mar também é associado com maior incidência de inundações, enchentes, secas, erosão e danos para infra-estrutura de regiões próximas à costa, desaparecimento de ilhas oceânicas e contaminação de aquíferos;
  • Cenários otimistas prevêem o aumento do nível do mar em 60cm até 2100, isso caso sejam implementadas, agora, medidas e políticas públicas comprometidas com a diminuição da emissão de gases de efeito estufa. Em cenários mais pessimistas, onde não existe controle algum, calcula-se que a elevação pode ser de até 1 metro!

 

Com as predições do novo relatório do IPCC, Ilana alertou que devemos cobrar posicionamento e políticas públicas dos governantes, para ajudar a conter as mudanças climáticas no mundo todo. Alguns efeitos já são irreversíveis, como apontou a pesquisadora, e é necessário agir agora para evitar que os cenários mais pessimistas se concretizem.

 

O Papos de Física é um evento mensal de divulgação científica promovido pelo ICTP-SAIFR, que ocorre todo início de mês no Tubaína Bar (R. Haddock Lobo, 94). Nesses eventos, físicos levam assuntos de ciência que despertam curiosidade do público para uma conversa informal e descontraída, de forma acessível a todos. A última edição do ano, aconteceu no dia 07 de novembro, com o tema “Sistemas Complexos: o Olhar da Física”. Fique atento ao blog para saber como foi o evento e nas nossas redes sociais para saber da programação de 2020!

 

Para saber mais sobre mudanças climáticas:

Um papo sobre a expansão do Universo

Written by Adrianna Virmond on October 3rd, 2019. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

No dia 12 de setembro ocorreu mais uma edição do Papos de Física, e dessa vez o público pôde assistir o professor Eduardo Cypriano (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas –  IAG-USP) falar sobre os “Desafios da Cosmologia Observacional”. Eduardo começou a palestra fazendo um panorama geral do que se entende por Cosmologia atualmente, como ela funciona e quais os desafios futuros.

Nossos ancestrais, há milhares de anos, voltaram os olhos para o céu estrelado e tentaram dar significado para aqueles pontos brilhantes que tanto nos fascinam. Desde então, praticamente todas as civilizações das quais se têm registro, criaram mitos e histórias que, de alguma forma, explicavam os porquês do céu ser do jeito que é. Hoje, Cosmologia é a área da ciência que se ocupa em entender o Universo como um todo.

Fotos do Papos de Física de Setembro/2019. Eduardo Cypriano, professor do IAG-USP, discutiu com o público os Desafios da Cosmologia Observacional (Créditos das imagens: ICTP-SAIFR).

Apesar das contribuições de cientistas como Galileu, Newton e Kepler, foi com Einstein e a Teoria da Relatividade Geral que surgiu uma revolução na maneira como entendemos o Universo. A teoria, que explica a gravitação, introduziu a ideia de espaço-tempo, mostrou a existência da relação entre massa e energia, e resolveu o problema da órbita de Mercúrio: a órbita de todos os planetas se modifica um pouco ao longo do tempo, mas os cálculos feitos para a órbita de Mercúrio não batiam com as observações, até que a Relatividade Geral foi incorporada nas contas. A Relatividade Geral prevê diversos outros fenômenos que hoje estamos verificando, como as ondas gravitacionais, detectadas diretamente em 2015 (clique aqui para saber mais!), e a existência de buracos negros, comprovada pelo primeiro registro “fotográfico” de um, em abril de 2019.

 

Porém, como lembrou Cypriano, Einstein não estava completamente correto em alguns pontos, entre eles, o fato de considerar nosso universo finito e estático. A partir das equações de Einstein, Friedmann, um físico e matemático russo, descreveu leis que previam a expansão do Universo, considerando que ele seria homogêneo e isótropo (ou seja, igual em todas as direções). Mas foi com as contribuições de Henrietta Leavitt que, anos mais tarde, Lemaitre e Hubble comprovaram a expansão do Universo.

 

Henrietta Leavitt foi uma astrônoma americana, responsável pela descoberta da existência de uma relação entre o período e a luminosidade de cefeidas, um tipo de estrela. Esta constatação deu origem ao método utilizado para medir as distâncias entre astros. Com esse método, as distâncias entre a Terra e várias estrelas e galáxias começaram a ser medidas até que Lemaitre e Hubble, independentemente, observaram uma relação linear entre a distância e a velocidade com a qual as galáxias estão se movendo, e atribuíram essa relação à expansão do Universo. Assim, estes cientistas mostraram que, ao contrário do que pensava Einstein, o Universo não é finito e estático e está, na verdade, se expandindo.

Cefeidas são um tipo de estrela pulsante, ou seja sua luminosidade aumenta e diminui em intervalos de tempo bem definidos. Esse intervalo é denominado período, e existe uma relação linear entre a luminosidade e o período das cefeidas. Essa relação é utilizada para calcular a distância e a velocidade das estrelas, assim os cientistas determinaram o tamanho, idade e taxa de expansão do universo. LMC: Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite à Via Láctea (em inglês – Large Magellanic Cloud); Milky Way: Via Láctea. (Créditos da imagem: NASA/JPL-Caltech/Carnegie, dados do Telescópio Spitzer).

 

Sabemos que o Universo está se expandindo. Assunto encerrado, certo? Na verdade, constatar que o Universo está expandindo levanta muitas outras questões: o universo vai expandir para sempre? A expansão ocorre sempre à mesma velocidade, ou está retardando? Ocorre um processo cíclico, no qual o Universo alterna entre expandir-se e contrair-se infinitamente? Qual o futuro do Universo?

 

O professor mostrou que essas questões têm relação direta com a própria geometria do Universo, e que existem três modelos possíveis: num universo fechado, o modelo que se adequa melhor aos cálculos é o de alternância de ciclos de expansão e contração; num universo aberto, com pouca massa, os cálculos prevêem que o cosmos se expandirá para sempre; e na terceira opção, onde a geometria do universo seria plana, o universo deve possuir uma densidade específica, uma “massa crítica”, e dessa forma ele está se expandindo agora, mas cada vez a taxas menores, de forma que, um dia, atingirá um tamanho máximo.

Depois de confirmar a expansão do Universo, surgem questões como: se está expandindo agora, já contraiu antes? Qual a taxa de expansão? Vai expandir para sempre, ou eventualmente ocorrerá o colapso do universo todo? Como evolui o universo ao longo do tempo? (Créditos da imagem: UFRGS)

 

Como resolver essa questão?

Primeiramente, os astrônomos determinaram a densidade do universo. Cada um dos modelos geométricos funciona para valores específicos de densidade, e por isso essa era uma das saídas. O problema é que a densidade calculada foi um valor diferente do esperado, e, na verdade, não era exatamente equivalente aos valores de nenhum dos modelos, mas sim a um valor intermediário.

 

A alternativa encontrada pelos astrofísicos foi calcular as velocidades e distâncias de estrelas ainda mais distantes. A ideia seria que, para esses corpos tão distantes, já seria possível observar a desaceleração do Universo. E funcionou! Utilizando supernovas como referência, foi possível “enxergar” lugares ainda mais afastados no universo e calcular suas distâncias e velocidades com as quais galáxias distantes se deslocam. Mas… Mais uma vez, o universo pregou uma peça nos cientistas. Certos de que encontrariam a taxa de desaceleração do universo (ou seja, quanto a velocidade diminui com o tempo), os cientistas se surpreenderam ao encontrar um valor negativo.

Ou seja: o universo não está expandindo cada vez mais devagar, mas sim cada vez mais rápido!

 

Nesse momento, o professor Eduardo aproveitou a oportunidade para explicar um pouco sobre o Método Científico e a importância de aplicá-lo no fazer científico. Ao longo da história da ciência, repetidamente os cientistas se surpreenderam com os resultados de seus cálculos e experimentos. No fazer científico, faz parte do processo ter de repensar (e muitas vezes descartar) a hipótese original, tendo em vista os resultados das observações e experimentos. Este episódio da descoberta da expansão do Universo é um bom exemplo sobre como os pesquisadores devem se apoiar no método, e não apenas em suas intuições.

O método científico é parte fundamental do fazer científico e, embora tenha variações de acordo com a área de estudo, é um guia geral de como fazer ciência de forma imparcial e acurada. Esse infográfico mostra como o bioquímico e escritor Isaac Asimov explica resumidamente o método (Créditos da imagem: Via Saber).

 

Voltando ao assunto… Porque o universo está se expandindo, e cada vez mais rápido? É justamente isso que os astrofísicos estão tentando resolver agora. Esses são os novos Desafios da Cosmologia Observacional. Essa aceleração é atribuída à Energia Escura, uma energia que existe no universo, mas que os físicos ainda não entendem como funciona. Além disso, hoje sabemos que quase toda a massa do universo é formada, na verdade por Matéria Escura, cuja natureza também é pouco compreendida (veja aqui um dos candidatos para compor a matéria escura). “Talvez seja necessário desenvolver uma ‘nova física’ para explicar esses fenômenos” finalizou o professor Eduardo Cypriano.

 

O Papos de Física é um evento mensal de divulgação científica realizado pelo ICTP-SAIFR, centro de pesquisa associado ao IFT-UNESP, no Tubaína Bar (R. Haddock Lobo, 74, Cerqueira César). Num ambiente descontraído e informal, físicos falam sobre os avanços da ciência e temas que despertam a curiosidade da população. Ao final de cada apresentação, o cientista convidado responde perguntas do público. A próxima edição acontecerá no dia 03 de outubro, e contará com a presença da professora Ilana Wainer (IO-USP), que falará sobre os “Efeitos Climáticos do Oceano”.

Um matemático no mundo das vacas esféricas

Written by Victória Flório on October 5th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Ganhador da Medalha Fields em 2006, Andrei Okounkov aposta nos aspectos lúdicos para popularizar a matemática e defende a colaboração como valor importante para pesquisa e ensino de ciências

Andrei Okounkov durante sua palestra no ICTP-SAIFR, no campus do IFT, Unesp. 

 

Durante o último Congresso Internacional de Matemática (ICM), que aconteceu em agosto, no Rio de Janeiro, Andrei Okounkov foi informalmente eleito como autor da palestra mais bonita e legal. Doze anos depois de ter recebido a maior distinção de sua área, a medalha Fields, Okounkov enfrentou o desafio de apresentar a plenária da ICM, “Na encruzilhada da geometria enumerativa e da teoria das representações geométricas”, para pesquisadores de diferentes campos da matemática. Além de abstratas, geralmente, as apresentações em eventos do porte da ICM são muito específicas, mesmo para outros matemáticos. Okounkov, no entanto, sabe como cativar a audiência. Oportunamente, ele insere o assunto de forma divertida, usando imagens e anedotas. Ele defende o ensino e popularização da matemática usando a diversão como estratagema. Formado no contexto russo de ensino de ciências, Okounkov chegou à matemática depois de passar pela economia, e não pela via tradicional das olimpíadas científicas. O matemático deixou a Rússia em anos difíceis para pesquisar nos EUA, passou por Princeton, e, atualmente divide seu tempo entre a Universidade Colúmbia, em Nova Iorque, e Moscou. O matemático enfatiza o trabalho árduo, a discussão com os pares e a colaboração como valores mais significativos para o sucesso na pesquisa, e nesse espírito prepara-se para receber a ICM, daqui a quatro anos, em São Petersburgo, capital cultural da Rússia. Durante sua estada no Brasil, Okounkov também participou de conferências satélites da ICM, como o Workshop em Física Matemática, no ICTP-SAIFR, sediado no IFT-UNESP, em São Paulo. Para ele, a matemática oferece a linguagem para descrever as teorias físicas, como a teoria de cordas e gravidade quântica.

 

 

 

Existe um imaginário escolar de que matemática é sinônimo de tormento…

A matemática não é um monstro, mas, de fato, é muito complexa. Acho que uma boa parte da sociedade é curiosa sobre matemática. Para estudantes e público, em geral, é muito importante a maneira como os matemáticos projetam a sua mensagem, o que é verdade não apenas para a matemática, mas para as outras ciências. As questões da ciência e da matemática constituem a essência da nossa vida. A ciência é o centro do que faz a sociedade funcionar. É muito importante despertar o interesse das crianças por esses temas.

 

Existe algo de diferente no ambiente cultural e intelectual russo quanto ao ensino de ciências e matemática? Como isso influenciou sua aproximação com a pesquisa?

Eu comecei na economia. Mas eu gostava mais de matemática, então mudei de área. Na Rússia, entretanto, há uma grande tradição dos Círculos de Matemática, Química, Física e as Olimpíadas Científicas, que, a meu ver, são uma contribuição para estimular nas crianças o gosto por matemática e ciências. Nesses ambientes, as crianças são desafiadas com problemas, enigmas, experimentos, bem diferente de fazer um dever de casa. Tanto nesses círculos como nas olimpíadas, as crianças estão em contato umas com as outras, com professores. A competição, até certo ponto, pode ser estimulante, mas não deve ser tratada como central. No processo de aprendizagem, recebe-se tanto dos professores quanto dos pares. O mais importante nessas experiências, é o elemento do desafio porque nem todas as pessoas serão capazes de resolver todos os problemas, o que também acontece entre os matemáticos.

 

Além dessa componente do desafio, como despertar o interesse escolar das crianças pela matemática?

Um bom professor ajuda nesse sentido, mas as crianças tem que ter outros estímulos para continuar aprendendo. No caso da matemática, deveria ser mais divertida, mais como uma descoberta e menos obrigatória. Poderia ser apresentada como a música. Todos podem apreciar uma música tocada no violino, mas não será obrigado a tocar o instrumento. Da mesma maneira, nem todo mundo terá treinamento formal em matemática. Seria traumático se fosse obrigatório tocar violino na escola.

 

Quando se trata de aproximação com o grande público, como a matemática se compara a outras ciências?

Quando o que se tenta explicar é uma coisa extremamente complexa, surge  o problema da falta de precisão. Não é intrinsecamente mais difícil divulgar matemática porque há certos temas, como teoria dos números, que poderiam ser explicados para qualquer um. Além de serem fáceis, são divertidos. Tomemos o exemplo da biologia, que também é uma área extremamente complexa, cheia de nomenclaturas complicadas, que podem demandar anos de aprendizado. Os biólogos fazem um trabalho melhor comunicando a biologia do que os matemáticos. Diria que a situação com a matemática não é muito diferente, mas os matemáticos precisam encontrar um caminho para se comunicar com a sociedade e mostrar que a complexidade da matemática pode ser algo excitante.

 

Qual o papel da matemática na sociedade?

A sociedade é uma coisa complicada. Mas a relação da matemática e das ciências com a sociedade e com nossas vidas se manifesta nas questões da tecnologia. Os telefones celulares que as pessoas usam cotidianamente têm por trás uma ciência avançada. Alguns abraçam as mudanças tecnológicas enquanto outros se distanciam delas. Estou muito preocupado sobre o futuro da relação tecnologia-sociedade porque, talvez, nem todos serão capazes de participar e trabalhar no mundo tecnológico. Algumas pessoas serão o que se pode comparar a um analfabeto do século passado. É possível ser um membro de valor da sociedade sem saber matemática e ciências, mas, minha preocupação é como isso vai acontecer ou como vai se desdobrar no futuro.

 

No futuro, os computadores serão melhores matemáticos que os humanos?

Depende da definição de matemática adotada. Se for uma lista de procedimentos a serem memorizados, os computadores serão melhores em qualquer coisa que possa ser formalizada. Nós temos que abraçar essas mudanças. Não podemos lamentar o fato de que os carros são mais rápidos do que os humanos porque, afinal, a utilidade dos carros reside exatamente em serem mais rápidos. Há muitos fenômenos complexos na natureza que não podem ser desvendados sem a ajuda dos computadores, eles podem representar um número de cenários muito grande em muito menos tempo que nós. É difícil dizer algo sobre a equação de Einstein sem a ajuda dos computadores. Mas lembro que a matemática não é apenas uma lista de processos a serem memorizados.

 

O que distingue os humanos no fazer da matemática?

Criatividade. Talvez criatividade não seja a melhor palavra, mas, sim, descoberta. O processo de descoberta na matemática é algo surpreendente. Os matemáticos não ficam sentados em seus escritórios tirando ideias brilhantes do nada. Eles têm de pensar em múltiplos exemplos, desenvolver a intuição e trabalhar em uma conjectura geral.

 

Pode-se dizer que há uma habilidade especial para ir bem em matemática?

O treinamento define mais como se vai em matemática do que qualquer habilidade especial. Acho que não há uma tarefa específica que permita um bom desempenho em matemática. O que se precisa da memorização, por exemplo, é fazer uma ou outra multiplicação, mas uma calculadora faz isso melhor. A matemática tem muitos sabores, o cálculo diferencial e integral é apenas um. Em geral, é melhor começar com um panorama, mas algumas pessoas pensam mais geometricamente, enquanto outras mais algebricamente. O que frequentemente acontece é que elas passam primeiro pelo treinamento básico e, se quiserem aprender um sabor totalmente diferente, tem que desenvolver uma maneira de juntar os sabores, correlacionar ideias adquiridas previamente.  

 

Sobre o que é a matemática?

A matemática é uma ótima forma de organizar ideias, procurar um princípio ordenador por trás de um determinado problema, ou de muitos problemas de determinado tipo. Ao invés de focar em características particulares e detalhes, a matemática busca princípios gerais. Talvez, outra maneira de entender isso seria dizer que em matemática não se pensa em um problema de forma muito concreta. Um dos meus professores diz que a chave para resolver qualquer problema em matemática é remover toda a informação desnecessária.

 

Há muitas anedotas sobre a forma não-realista como matemáticos e físicos interpretam a realidade para investigá-la…

As semelhanças no modo de matemáticos e físicos encararem a realidade relacionam-se ao fato de que a realidade não reside em seus aspectos peculiares, é preciso remover e descartar características para investigá-la. Há muitos níveis nos quais se pode dizer algo verdadeiro sobre uma determinada coisa, por exemplo, sobre o volume de uma vaca. Considerar o nome de uma determinada vaca adiciona complicações à investigação sobre seu volume porque, então, leva à perguntas particulares sobre todas as outras vacas. Tanto os matemáticos como os físicos buscam os aspectos mais gerais possíveis para descrever uma vaca e daí surgem as anedotas.

 

Matemática é ciência?

Sem dúvida. E é arte. Mas ciência também é arte. Matemática não é como um laboratório de química, onde coisas são misturadas, previsões feitas e se espera pra ver o resultado. Matemática é relacionada a curiosidade humana, ao desejo de sistematizar o mundo e trazer uma noção geral sobre como ele é construído, como se desenvolve. Mas ainda sobra lugar para a poesia e a beleza.

 

E quanto a interação da matemática com a biologia?

Ao interagir com pessoas de fora da matemática, elas, frequentemente, perguntam sobre a solução de uma equação específica ou como resolver determinado problema tendo em vista propriedades particulares. Mas é muito mais fácil pensar nas propriedades mais gerais dos problemas porque isso força o pensamento para termos mais fundamentais. É importante pensar nos tipos e lugares específicos, como na biologia, o tal inseto que voa em torno da tal flor. Os detalhes são muito bonitos, mas não são essenciais para resolver equações. Em matemática, procuramos o tipo certo de generalidade, o que implica descartar insetos e flores.

 

Qual a contribuição mais importante da matemática para o pensamento humano?

Diria que é a noção de que o livro da natureza está escrito em símbolos matemáticos, como na conhecida citação de Galileu Galilei. Não há dúvidas sobre isso. A noção intrínseca da ciência moderna é que ela requer uma matemática complicada e, talvez, isso seja devastador para um indivíduo, mas nem tanto quando se considera a comunidade científica e o poder computacional.

 

Sua plenária na ICM foi elogiada por ser visualmente bonita. Em algumas passagens de uma palestra sua sobre monodromia, um tema desconhecido mesmo de matemáticos, você arranca risadas da audiência.

Monodromia é o estudo do comportamento de funções definidas em torno de singularidades. Escadas em espiral são uma boa forma de ilustrar a situação. No alto de uma escada, tem-se uma função, no andar inferior, tem-se outra função diferente. Um colega meu tem uma maneira muito engraçada de explicar a monodromia, que eu tomo emprestada: “Você sente que está andando em círculos e não chega a lugar algum? As coisas não devem ser  tão ruins quanto parecem. Você deve estar chegando a algum lugar, mas não percebe isso por não estar ciente de sua monodromia pessoal”. Talvez, devêssemos pensar mais em nossa monodromia pessoal para entender o problema em matemática.

 

Você deixou a Rússia para ir para os EUA, mas agora passa parte do ano lá. 

Houve tempos difíceis na Rússia em que foi difícil conciliar a vida pessoal e o trabalho como matemático. Mas agora há bons lugares para estudar na Rússia, eu passo cada vez mais tempo lá. Meu ano se divide entre Colúmbia e Rússia. Inclusive, a próxima “Copa do Mundo da Matemática” será na Rússia e estamos nos preparando para, além de oferecer uma ótima visita a todos os participantes, discutir a divulgação de matemática para o público leigo.

 

O que sabemos que não sabemos?

Written by Victória Flório on September 26th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Segundo o físico brasileiro André Luiz de Gouvêa, os misteriosos neutrinos podem ser a chave para resolver o problema da quantidade de matéria no universo

Há uma diferença gritante entre a quantidade de massa total observada no Universo e o que é previsto pelos modelos teóricos. Medidas da radiação cósmica de fundo –  um tipo de fóssil do Big Bang – indicam que há cinco vezes mais matéria que não interage com fótons do que de matéria que interage com fótons, levando os físicos a cogitarem a existência de uma matéria, que não interage com a luz; a matéria escura. Muitas teorias e experimentos em física estão sendo projetados para solucionar essa questão da cosmologia. Formado em física pela PUC-Rio, o carioca André Luiz de Gouvêa dedica-se a esse tipo de dilema. Ele teve passagens pelo Fermilab, Lafex, CERN (Suíça) e, atualmente, é professor da Universidade Northwestern, nos EUA, e membro do conselho científico do ICTP-SAIFR, desde o início de 2018. Recentemente, Gouvêa analisou a sensibilidade de grandes experimentos da física de partículas, o DUNE e o Hyper-Kamiokande, com o objetivo de detectar interações específicas de neutrinos e antineutrinos. Entre os dias 23 de julho e 3 de agosto, o pesquisador esteve em São Paulo participando da Escola de detecção de neutrinos e matéria escura, do ICTP-SAIFR|IFT-UNESP. Ele falou sobre “o que sabemos que não sabemos”, na fronteira da física de partículas e neutrinos, e ofereceu perspectivas sobre a tão esperada detecção da matéria escura.  

 

Como foi sua trajetória entre a graduação em física e o interesse por física de partículas?

Comecei a me interessar pela parte experimental de física de partículas. As vantagens de ser experimental é que você pode contribuir mais como aluno de graduação e mestrado. Quando fui pra fora do Brasil, para o doutorado, é que comecei a trabalhar com fenomenologia, modelos super simétricos e outros temas populares. Naquela época, surgiam modelos novos de neutrinos e, então, trabalhar com teoria era interessante porque tentávamos antecipar o que as próximas experiências poderiam medir.  

 

Os físicos  pensam as partículas como objetos clássicos, como pontos e bolinhas, ou como ondas?

Em física, usamos uma linguagem matemática para descrever as partículas. E, mesmo para nós, em várias situações, as partículas lembram objetos clássicos como pontos. Toda vez que elas se manifestam de forma mais palpável nos detectores, a impressão é de que cada partícula é um ponto. Mas a matemática que se usa para traçar o caminho das partículas é ondulatória.

 

E os neutrinos, o que são?

Os neutrinos (e também os fótons) são as partículas mais abundantes do Universo. Há 1 bilhão de vezes mais fótons e neutrinos que prótons e elétrons! Somos bombardeados com neutrinos a uma taxa de 100 bilhões por segundo. Eles não têm carga elétrica, como os elétrons, e interagem muito pouco.

 

Como é então possível detectá-los?

Os neutrinos têm uma outra propriedade – associada a maneira como reagem à força nuclear Fraca – que chamamos de “sabor”. Hoje sabemos que, de acordo com os sabores, podemos classificar os neutrinos em três tipos: o neutrino-múon, neutrino-tau e neutrino-elétron. Mas chegar até isso foi um longo e árduo caminho. Na década de 60, por exemplo, as primeiras medidas do fluxo de neutrinos produzidos no Sol, não batiam com as previsões teóricas. Esse assunto só foi resolvido na virada do século quando ficou estabelecido que o neutrino pode mudar de sabor enquanto se propaga. Estes resultados responderam perguntas fundamentais que tínhamos sobre os neutrinos – “Eles têm massa?”; “Eles oscilam de um sabor para o outro?” e convidam outras perguntas mais fundamentais – “Por que eles têm massa?”; “Como eles oscilam de um sabor para o outro?”.

 

Quais foram os experimentos que confirmaram as propriedades dos neutrinos?

Dentre esses experimentos, estão o KamLAND e o Super-Kamiokande, ambos no Japão, e o SNO [Sudbury Neutrino Observatory], no Canadá. Com dados do SNO e do KamLAND, conseguimos explicar a questão dos neutrinos do Sol. Os primeiros resultados do Super-Kamiokande, anunciado em 1998, revelaram que os neutrinos produzidos na atmosfera também podem alterar suas identidades, oscilando entre os sabores. Essas descobertas renderam o prêmio Nobel de física de 2015 às colaborações Super-Kamiokande e SNO. A comprovação foi decisiva para a física de neutrinos porque a consequência da oscilação entre os sabores é que eles têm massa.

 

O que diferencia partículas que têm massa de partículas sem massa?

Se recorrermos à relatividade restrita – que trata de partículas que se movem próximas da velocidade da luz -, fica mais fácil entender essa diferença. Do ponto de vista das partículas sem massa, como as partículas da luz – os fótons -, qualquer distância no Universo é infinitamente pequena, o que equivale dizer que elas chegam simultaneamente a qualquer lugar. Uma partícula com massa, como o neutrino-elétron, sabe distinguir tempos curtos de tempos longos, “ele enxerga as distâncias”.

 

Quando se detecta um neutrino, é possível dizer para qual dos sabores se está olhando?

Na prática, toda vez que se detecta um neutrino, não se consegue determinar qual sua massa, só é possível medir o seu sabor. Por exemplo, um neutrino-elétron produzido em São Paulo seria detectado em Salvador já com outro sabor. Os neutrinos mudam de sabor ao longo do tempo com uma probabilidade que pode ser calculada.

 

Como é o mecanismo que leva os neutrinos a mudar de sabor?

Temos que olhar para cada um dos sabores das partículas e associar a eles uma onda. Essa onda é uma mistura de três ondas distintas, associadas aos neutrinos com massa. O fenômeno pode ser então entendido como interferência de ondas.

 

Qual o papel da massa no mecanismo de oscilação dos neutrinos?

Agora que sabemos que os neutrinos têm massa, podemos classificá-los de acordo com o valor da massa. Digamos, um neutrino com massa 1, outro com massa 2, e um terceiro com massa 3. Mas não é possível associar massas e sabores de maneira clássica. O neutrino-elétron, por exemplo, não é uma partícula, mas uma mistura quântica de partículas com massas bem definidas e isso vale para os outros sabores. Cada uma das componentes com massa bem definida tem uma velocidade ligeiramente diferente, mas frequências bem próximas. O que faz o neutrino oscilar é que, durante o tempo em que ele viaja de um lugar a outro, as ondas correspondentes a eles se propagam de forma distinta, e a combinação delas – o que define o sabor – muda com o tempo.

 

As antipartículas dos neutrinos, os antineutrinos, oscilam da mesma forma?

Podemos entender essa pergunta da seguinte maneira: se a probabilidade de um neutrino de sabor A ser medido como um neutrino de sabor B (diferente de A) é igual a probabilidade de um anti-neutrino de sabor A ser medido como um antineutrino de sabor B. Os físicos se referem a esse fenômeno como a violação da simetria CP entre os neutrinos. Hoje, nós não sabemos a resposta apesar de haver fraca evidência que a simetria CP é violada entre os neutrinos.

 

Quais as contribuições esperadas dos experimentos DUNE e Hyper Kamiokande nessas questões?

Um dos objetivos principais dos projetos DUNE e Hyper-Kamiokande é descobrir de forma clara se os neutrinos respeitam a simetria CP. O que eles querem estabelecer é se a probabilidade de um neutrino de sabor A ser medido como um neutrino de sabor B (diferente de A) é igual a probabilidade de um antineutrino de sabor A ser medido como um antineutrino de sabor B. Na prática “sabor A” é o sabor muônico (relacionado ao muon), “sabor B” é o sabor eletrônico (relacionado ao elétron).

 

Os neutrinos são candidatos a matéria escura?

Sim. Mas, apesar de serem muito abundantes, os neutrinos têm uma massa pequena demais. Há muitos candidatos, no entanto. Uma das hipótese mais estudada é que a matéria escura seja formada por partículas que chamamos de WIMPS – Weakly Interacting Massive Particles -, que interagem fracamente.

 

A matéria escura obedece a quais princípios da física?

A matéria escura interage gravitacionalmente. Quer dizer, as leis da gravidade de Newton e Einstein também se aplicam à ela. Ela está se expandindo junto com o resto do Universo e também obedece ao princípio do aumento da entropia total do Universo, a Segunda Lei da Termodinâmica. No entanto, todas as outras informações que temos sobre ela, a distinguem da matéria bariônica – composta por bárions, partículas como prótons e elétrons, e que interagem com a luz.

 

Como seria possível medir a matéria escura?

Partículas como os WIMPS interagem fracamente com núcleos de átomos de detectores. Uma maneira seria construir detectores super-precisos e observar a passagem de uma partícula de matéria escura, causando uma leve movimentação nos núcleos dos átomos dos detectores, na Terra. Observar se os detectores se mexem “sozinhos”.

E o neutrino estéril?

Ele é um novo tipo de partícula que está sendo cogitada. Apesar de interagirem muito pouco, são capazes de “conversar” com os outros neutrinos do modelo padrão. Se forem parte da matéria escura, eles decaem, bem devagar, em um neutrino e um fóton. Para detectá-los teria de se observar a emissão de raios-X de regiões do céu onde se supõe haver muitos neutrinos estéreis, como as galáxias anãs, usando um satélite, um balão ou um foguete.  

 

Quais são as expectativas da comunidade para detectar a matéria escura?

Agora, a campanha experimental é grande, mas, se daqui há dez anos não encontrarem nada, é bom procurar outra resposta e algumas ideias teóricas serão revisitadas.  

 

Há outras propostas além dela?

Matéria e energia escura são uma forma de parametrizar a nossa ignorância. É possível que haja algo bem simples e que ainda não sabemos. Um outro caminho seria modificar a própria teoria da gravidade.

 

Qual das das alternativas é mais simples?

Sem dúvida, os modelos de matéria escura geram menos complicação. O motivo disso, talvez, seja o conservadorismo dos físicos. Mas existem problemas quanto a mudar a gravidade. As coisas funcionam muito bem no sistema solar com a teoria gravitacional que temos hoje. A gravidade teria que ser modificada a nível da galáxia, aglomerados de galáxias, o efeito dessa gravidade nova será gigante. Colisão entre dois aglomerados de galáxia, nuvens de gás interestelar, o gás interage bastante, emite raios-X, o que acontece com a massa de galáxia? Depois da colisão as massas se afastam, mas o gás ficou para trás, mudando a lei da gravidade. A lei da gravidade não explica porque a massa está em um lugar e a gravidade está em outro.

 

E quanto a modificar os modelos físicos atuais?

Nós temos teorias que funcionam bem, e quando há resultados que não sabemos explicar, acrescentamos ingredientes novos. Por outro lado, a linguagem que usamos para descrever talvez tenha um erro fatal. É possível que, usando essa linguagem, seja impossível descrever o que estamos observando. Mudar a linguagem que a gente usa é muito difícil. O modelo atual é muito sofisticado e bem sucedido. Uma ideia nova com uma linguagem nova teria que ser igual ou melhor para se explicar tudo o que a gente já consegue explicar e mais o que não consegue.

Estranhezas no mundo do muito pequeno

Written by Victória Flório on September 26th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Pesquisador visitante do ICTP-SAIFR foi destaque da Sociedade Brasileira de Física pela pesquisa sobre estranhezas quânticas e cenários de inferência causal simples

No centro da foto Mário Leandro Aolita, no ICTP-SAIFR, que fica no campus da Barra Funda, do IFT-Unesp, durante o minicurso “Emaranhamento quântico: da informação quântica para além da física de muitos corpos”, que aconteceu entre 20 e 24 de agosto.

 

Um furacão ocorre depois de uma pequena perturbação na atmosfera terrestre; as pessoas adoecem porque são expostas a germes. A noção intuitiva de que os fenômenos decorrem de uma causa é importante em pesquisas científicas nas áreas de meteorologia e epidemiologia, por exemplo. Mas os contra intuitivos efeitos quânticos podem violar a ordem de inferência causal. Uma colaboração entre físicos italianos da Universidade de Sapienza Roma, o brasileiro Rafael Chaves do Instituto Internacional de Física, em Natal, no Rio Grande do Norte, e o visitante do ICTP-SAIFR, Mário Leandro Aolita, sediado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, demonstrou experimentalmente que, em um sistema formado por um par de fótons – partículas de luz -, ocorre uma transgressão dos chamados testes experimentais. Usados tipicamente na área de epidemiologia, esses testes estão relacionados à noção clássica de causalidade.

Os pesquisadores investigaram um modelo causal quântico em que o estado de dois fótons emaranhados – forma de correlação muito forte, possível só em sistemas quânticos – é a causa comum de outros dois eventos A e B. Nessa situação, as correlações induzidas entre esses eventos A e B são tão fortes que, mesmo se fossem simuladas com modelos causais clássicos, ou seja, sem emaranhamento, eles precisariam estar equipados com influências causais diretas de A para B (além de possíveis causas comuns clássicas).

O resultado, publicado pela revista científica Nature Physics, em dezembro de 2017, mostra que o emaranhamento quântico é, de certa forma, mais forte até do que influências causais diretas clássicas, abrindo perspectivas para uma abordagem mais simples do fenômeno quântico até então conhecido como “comunicação à distância” entre partículas. Repercussões do trabalho vão incorporar o desenvolvimento de novas tecnologias para a criptografia e informação quântica.

 

Escola de modelos integráveis ICTP-SAIFR

Written by Victória Flório on July 16th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Entre os dias 2 e 14 de julho, o ICTP-SAIFR e o IFT-UNESP, em São Paulo, sediaram uma Escola de Modelos Integráveis voltada para especialistas de várias áreas da física. 

Organizadores, participantes e palestrantes da Escola de Modelos Integráveis. Na segunda fileira, à direita, o organizador Pedro Vieira, do ICTP-SAIFR-IFT-UNESP & Perimeter Institute, Canadá.

 

A Escola de Modelos Integráveis aconteceu no campus do IFT-UNESP, na Barra Funda, com um programa que integrou e atualizou jovens pesquisadores e especialistas das áreas de mecânica estatística, matemática, matéria condensada, teorias de calibre e teoria de cordas sobre a ferramenta da integrabilidade – usada para resolver exatamente sistemas como, por exemplo, cadeias de spin – mecânica estatística -; modelos de vértice – que se expandiram do contexto da física nuclear para a teoria de cordas -; e ads/cft, correspondência entre teorias definidas em espaços anti-deSitter e de campos conformes.

O evento foi o terceiro de uma série de escolas coordenadas na área de Modelos Integráveis. A primeira foi realizada pelo NORDITA, Nordic Institute for Theoretical Physics, na Suécia, entre 14 de maio e 8 de junho, e a segunda aconteceu no IIP, International Institute of Physics, em Natal, Brasil, de 18 a 29 de junho. Pesquisadores sediados na Suécia, EUA e Brasil – Konstantin Zarembo (NORDITA, Suécia), Shota Komatsu (Princeton, EUA) e Valdimir Korepin (State University of New York, EUA) e Márcio Martins (UFSCar, Brasil) – apresentaram as novidades da áea de modelos integráveis para osparticipantes. Além de assitir aos cursos,os participantes também apresentaram seus trabalhos, na segunda semana do evento. O comitê organizador foi fomado por pesquisadores sediados nos EUA, Vladimir Korepin (State University of New York at Stony Brook), na França, Didina Serban (IPhT-Saclay) e no Brasil, Giuliano Ribeiro (UFSCar) e Pedro Vieira (ICTP-SAIFR/IFT-UNESP & Perimeter Institute, Canadá).

Escola de física de partículas ICTP Trieste-SAIFR

Written by Victória Flório on July 16th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

O evento aconteceu entre os dias 18 e 29 de junho, no ICTP-SAIFR, no Instituto de Física Teórica da Unesp, em São Paulo, e trouxe os mais recentes resultados e técnicas de física de partículas para os alunos sul-americanos.

 

A física tecida no LHC continuará a surpreender a comunidade científica detectando mais e mais componentes fundamentais da matéria? Créditos da imagem: CERN, Colaboração CMS (Compact Muon Solenoid).

O início do século 21 têm movimentado a área de física de partículas, área que pretende descrever interações e decifrar a natureza dos constituintes fundamentais da matéria e da radiação. Em 2012, o Bóson de Higgs – teorizado por Peter Higgs, em 1964 – foi confirmado experimentalmente pelo LHC, o Grande Colisor de Hádrons do CERN, localizado em Genebra, Suíça. Cinco anos depois, as ondas gravitacionais – previstas em 1916 por Albert Einstein – foram detectadas pelas colaborações científicas LIGO, nos EUA, e VIRGO, sediada na Itália. Eventos de grande importância como esses deram um novo fôlego para o Modelo Padrão – teoria mais aceita sobre partículas e forças que compõem o Universo – e para a Relatividade Geral – teoria que descreve a gravidade como uma propriedade geométrica do tecido do espaço-tempo.

Apesar do entusiasmo da comunidade com os novos achados, fantasmas assombram a completa aceitação do Modelo Padrão, dentre eles, a necessidade de confirmações experimentais para matéria e energia escura – propostas para fechar a conta da quantidade total de matéria no Universo -, e para um gama enorme de partículas. Esse dinâmico período na física desperta novas possibilidades e aumenta as expectativas dos cientistas sobre o que está por vir no LHC.

 

Participantes da primeira escola conjunta de física de partículas ICTP Trieste-SAIFR, no auditório do IFT-Unesp, no campus da Barra Funda. À frente, da esquerda para a direita: os organizadores Eduardo Pontón (ICTP-SAIFR) e Enrico Bertuzzo (USP), os palestrantes Laura Covi (Institute for Theoretical Physics, Göttingen, Alemanha); Benjamin Grinstein (UCSD, EUA); Giulia Zanderighi (Universidade de Oxford, Reino Unido), e o organizador Giovanni Villadoro (ICTP-Trieste).

“O interesse do público em geral e dos estudantes universitários para o futuro da física de partículas e do LHC foi o que motivou a união com o ICTP-Trieste para organizar uma escola”, conta o pesquisador Enrico Bertuzzo, da USP, um dos organizadores da Primeira Escola Conjunta ICTP Trieste-SAIFR de física de partículas. Além de Bertuzzo, o comitê de organização foi composto pelos pesquisadores Eduardo Pontón, do ICTP-SAIFR, Andrea Romanino e Giovanni Villadoro, ambos do ICTP-Trieste, na Itália.

A parceria, segundo Bertuzzo, levou em conta a longa experiência do ICTP-Trieste na realização de escolas de física de partículas. O ICTP-SAIFR já tinha recebido outras duas escolas voltadas para a física do LHC, em 2013 e 2015, mas a parceria com o ICTP-Trieste foi o primeiro passo para iniciar uma nova tradição. “Como os cursos universitários não cobrem  os atuais resultados da física de partículas, a intenção é fornecer aos participantes da escola uma visão mais global e moderna”, complementa. Cerca de oitenta estudantes de pós-graduação, de quatorze nacionalidades (Venezuela, Peru, Chile, Colômbia, Argentina, Uruguai, Costa Rica, Cuba, México, França, Índia, Paquistão, Irã e Brasil) – a maior parte sediados em universidades brasileiras -, receberam para os cursos e palestras pesquisadores dos Estados Unidos, Itália, Alemanha, Reino Unido, Espanha e Brasil.

As palestras e cursos trataram sobre o Modelo Padrão, teorias fortemente interagentes em colisores, Universo Primordial, matéria escura, e tópicos em física experimental e teórica. “A escola foi mais teórica, com implicações na física de colisores, como o CERN”, avalia  Bertuzzo. O palestrante Alex Pomarol, da Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha, discutiu a física além do Modelo Padrão. Outro ponto alto da escola, segundo Bertuzzo, foram a abordagem fortemente matemática da cosmologia sobre o Universo Primordial e as discussões filosóficas introduzidas pela pesquisadora Laura Covi, do Instituto de Física Teórica de Göttingen, Alemanha. Covi abordou questões como “Cosmologia é ciência?”; “Qual a reprodutibilidade dos experimentos em cosmologia?”; “É possível comparar modelos com dados experimentais?”.

A física teórica Laura Covi, graduada na Universidade de Trento, na Itália, atualmente é professora no Instituto de Física Teórica da Universidade de Göttingen, Alemanha. Covi pesquisa na fronteira entre física de partículas e cosmologia e, durante a escola, falou sobre os primeiros instantes do Universo.

A programação da escola entusiasmou os participantes. “Gostei da abordagem sobre as possibilidades experimentais em física de partículas”, menciona a estudante Milena Leal, da Universidade Pedagógica e Tecnológica da Colômbia. Já Felipe Fontineli, estudante do Instituto de Física da Universidade Nacional de Brasília, foi atraído pela apresentação de teorias além do Modelo Padrão, “A escola representou também uma oportunidade de entrar em contato com outros pesquisadores”, arremata.

“A largo prazo, nosso objetivo, é irradiar o conhecimento produzido durante a escola para outros centros. Questões financeiras dificultam viagens de estudantes até a Europa, então, temos que aproximar as possibilidades de investigação à realidade das pessoas”, enfatiza Bertuzzo. Apesar de os grandes colisores não existirem na América do Sul, há várias possibilidades de inserção internacional de pesquisadores. O Brasil, através de centros no Rio de Janeiro e em São Paulo, mantém colaborações com o LHC. Novas parcerias entusiasmam a comunidade, como os experimentos DUNE (sigla em inglês para Deep Underground Neutrino Experiment), com dois detectores que serão instalados nos EUA, e a colaboração internacional Dark Side, sediada no Laboratório Nacional do Gran Sasso, na Itália.

 

Durante a escola os participantes apresentaram trabalhos e resolveram problemas.

A motivação fundamental para pesquisar na área de física de partículas, segundo Bertuzzo, é obter uma explicação para a realidade e o funcionamento do Universo. “Essa é uma das físicas mais fundamentais, junto à cosmologia. Não é muito diferente de olhar para o céu, só que, ao invés de fazer astronomia com a luz, fazemos com partículas, os constituintes fundamentais do Universo. Abusamos da curiosidade para explorar aquilo que vemos”,  revela.

 

Ciência em Diálogo: Ficção Científica

Written by Malena Stariolo on May 16th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

No dia internacional de Star Wars, 4 de maio, foi realizado o segundo encontro do Ciência em Diálogo: Física e Arte com um tema bastante apropriado para a data: Ficção Científica.

Para debater sobre o tema o professor e astrofísico Rodrigo Nemmen do IAG-USP e o escritor e tradutor Antônio Xerxenesky. Como já é de costume a conversa foi mediada pelo pesquisador Rogério Rosenfeld e cada um dos palestrantes teve 15 minutos para expor sua abordagem para, depois, abrir espaço para perguntas e interação com o público.

Para começar o debate Antônio lançou uma pergunta que, apesar de parecer trivial, não fornece uma única resposta: “O que é ficção científica?”. Até hoje muitos escritores, leitores e amantes da ficção científica apresentaram inúmeras definições, às vezes complementares, às vezes opostas, para caracterizar esse gênero.

Assim como seu conceito e, provavelmente por conta disso, marcar o início da ficção científica também é uma tarefa difícil: existem argumentos afirmando que esse gênero existe desde As Mil e Uma Noites, porém, também existe um consenso de que a ficção científica teve início com a Mary Shelley, escritora de Frankstein. “Não só porque tem o cientista maluco, mas porque apresenta uma extrapolação do que a ciência pode fazer e uma imaginação do que isso acarretaria”, comenta Antônio.

Depois desse salto inicial outros escritores, como Júlio Verne (Viagem ao Centro da Terra), surgiram criando uma era de euforia e extrapolação criativa, buscando imaginar o que existiria além das fronteiras da ciência da época. Esse frenesi culminou na criação da Amazing Stories (1926), a primeira revista dedicada apenas a ficção cientifica e que conduziu à conhecida Era de Ouro da ficção científica, com início nos anos 30 indo até 1960. Entre os escritores publicados estavam Isaac Asimov (Trilogia Fundação), Ursula K. Le Guin (Ciclo de Terramar) e H.G. Wells (Guerra dos Mundos).

Capa da edição de maio de 1926 anuncia histórias de H. G. Wells, Júlio Verne e Edgar Allan Poe.

Para mostrar que ficção científica não é só “coisa de americano” o escritor falou também sobre a contribuição da Rússia para o gênero, “a ficção soviética que emergiu no período da Revolução Russa tinha um forte caráter utópico. Eles estavam imaginando como seria a sociedade no futuro, com homens todos iguais em uma cidade perfeita, onde não há mais pobreza, nem crimes”. Quando o comunismo foi se firmando o Estado iniciou perseguições aos escritores que imaginavam essas utopias.

Antônio também destacou que a palavra “robô” não foi uma criação norte-americana e sim obra de Karel Čapek, um escritor tcheco, que usou essa palavra pela primeira vez nos anos 20 em uma peça de teatro, “vejam só vocês, a primeira ficção científica escrita com robôs, já tem robôs se revoltando contra a humanidade”, brinca. Curiosamente, a palavra teve origem a partir de “robota“, que pode significar trabalho exercido de forma compulsória, ou escravo.

Pôster da peça de Karel Čapek

Iniciando a conexão entre humanas e exatas, o escritor comentou da relação “problemática” que existe entre ficção científica e ciência. Afinal, até onde o escritor tem a liberdade de explorar o lado da ficção e até onde ele deve se manter preso no lado científico? “Durante a Era de Ouro existia uma cobrança muito grande de que o escritor tinha que ser quase um futurólogo para prever quais seriam os avanços tecnológicos do futuro”, comenta.

Após questionar se um escritor pode burlar regras científicas para escrever uma boa história, Antônio lembra o caso de Star Wars, entre outras obras, que perderiam muito de seu apelo caso tivessem se prendido estritamente à ciência, “acho que todo escritor tem que se questionar sobre o que é importante para sua obra. O relevante para Star Wars é muito mais uma história mítica, do que ser fiel à ciência”. Ao fim desse questionamento, Antônio passou a fala para que o pesquisador Rodrigo Nemmen apresentasse seu ponto de vista.

“Nós vivemos numa era de ficção científica”, iniciou o pesquisador, “pela aceleração de processos científicos e tecnológicos pela qual estamos passando, nós estamos vivendo em uma sociedade de ficção científica”. Para comprovar seu ponto Rodrigo trouxe duas notícias, no mínimo, chocantes. A primeira tratava sobre conseguir manter cérebros de porcos vivos sem o corpo, enquanto a segunda falava sobre a possibilidade de realizar um back-up do cérebro humano.

Para organizar sua apresentação, Rodrigo optou por mostrar o que foi previsto na ficção científica e o que é fato  hoje em dia. Para dar início a esse debate ele começou a discutir um tema muito discutido atualmente: Inteligência Artificial. Na ficção científica essa temática foi e continua sendo amplamente explorada, em filmes como Her (2013), 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e Blade Runner (1982) e em livros como Neuromancer (William Gibson) e Eu, Robô (Isaac Asimov).

Hal 9000 do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço

A primeira referência de Inteligência Artificial é de 1906, do escritor Samuel Butler, que diz “a consciência mecânica eventualmente vai surgir, apesar das máquinas possuírem pouca consciência agora. Reflitamos sobre os extraordinários avanços que as máquinas têm feito nos últimos 100 anos e notemos o quão devagar os reinos animal e vegetal estão avançando“. Apesar de se tratar de uma frase com mais de 100 anos, a comparação das escalas tecnológicas e culturais em relação à evolutiva é algo que está sendo muito discutido nas comunidades científicas do meio. Além disso, assim como a ficção científica, ainda não existe um consenso sobre uma definição para I.A, algo que também está sendo debatido.

Mesmo com os avanços tecnológicos atuais, Rodrigo tem certeza que, pelo menos por enquanto, não devemos nos preocupar com uma “revolta das máquinas”, uma vez que a ciência ainda está muito distante de conseguir um organismo cibernético com tecidos vivos sobre um endoesqueleto de metal. Então o que existe agora em termos de IA? O cientista responde a pergunta “hoje nós temos programas de computador que realizam tarefas muito específicas que, normalmente, necessitariam de humanos”. Enquanto nós, humanos, temos a facilidade de aprender uma ampla gama de tarefas e habilidades, os algoritmos existentes de IA são muito bons em tarefas específicas. Alguns exemplos são carros automatizados, reconhecimento de imagem, assistentes virtuais como a Siri (Apple) e Cortana (Windows).

Também existem IAs programadas para jogar jogos, dentro dessa área, um dos grandes desafios para a Inteligência Artificial era o Go, um jogo chinês que possui alto grau de complexidade: “em um certo estado de disposição das peças no tabuleiro, o jogador tem a possibilidade de um número de jogadas que excede o número de átomos no universo”, explica o pesquisador. Pela primeira vez, dois anos atrás uma Inteligência Artificial, desenvolvida pela Google DeepMind, conseguiu derrotar o melhor jogador do mundo de Go. O algoritmo, sua versão mais recente chamada de AlphaGo Zero, aprende jogando consigo mesmo: em 24h o algoritmo aprendeu sozinho e superou o melhor jogador do mundo, em três dias ele se tornou imbatível contra sua versão anterior e em 21 dias ele se tornou imbatível contra todos os códigos jogadores de Go que existem no mundo.

Os avanços em Inteligência Artificial já estão tendo um forte impacto na economia e na sociedade, “empregos com habilidades mais básicas se tornarão obsoletos rapidamente”, comenta Rodrigo. Com esse cenário em mente, uma das preocupações existentes é como será possível preparar as novas gerações para um futuro tão modificado, com uma “obsolescência programada de seres humanos”.

O próximo tema do Ciência em Diálogo no IMS: Física e Arte será “A noção de beleza”. Os convidados dessa edição são o físico Pedro Vieira, que trabalha com integrabilidade e teoria de campos, e a crítica de arte Sônia Salzstein, autora de Matisse: imaginação, erotismo, visão decorativa. O evento acontecerá no dia 8 de junho, às 19:00, no Instituto Moreira Salles (Av. Paulista, 2424 – Consolação). A palestra é gratuita e conta com a distribuição de fichas 60 minutos antes do início do evento. Para mais informações acesse: ICTP-SAIFR Ciência em Diálogo ou IMS Ciência em Diálogo.

O físico que usa o núcleo do átomo como laboratório

Written by Malena Stariolo on May 9th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Gastao Krein é um dos convidados do primeiro dia do Pint of Science. Ele falará sobre “A flecha do tempo: por que envelhecemos e nunca rejuvenescemos?”, em uma apresentação descontraída no Tubaína Bar.

O físico acabou escolhendo essa carreira inspirado por livros, principalmente sobre gravitação, enquanto estava no Ensino Médio.

Filho de pai ferreiro e mãe dona de casa, Gastao foi sempre incentivado a fazer o que gostasse para conseguir encontrar um rumo e “não se perder na vida”. Desde pequeno o cientista sempre teve muita facilidade com matemática, mas foi no ensino médio que ele realmente decidiu ser físico.

Antes disso, entretanto, o pesquisador colocou como sonho ser jogador de futebol chegando a treinar no Internacional de Porto Alegre, apesar de ser gremista. Com divertimento, ele lembra de um dia estar saindo do vestiário enquanto outra turma voltava do campo, “entrou um cara super franzino, cabeça vermelha, todo suado e fraquinho. Eu pensei, ‘se a competição for com esse aí eu acho que vou conseguir ser jogador’. Depois fiquei sabendo que aquele menino era o Paulo Roberto Falcão, um dos maiores jogadores que já apareceu”.

Tendo que deixar a ideia de se tornar jogador de futebol de lado, o gosto pela física surgiu no final do primeiro ano quando, incentivado por um professor, começou a frequentar a biblioteca da escola para ler os livros da coleção PSSC (Physical Science Study Committee) elaborado no MIT, principalmente a parte sobre gravitação, “eu nunca tinha pensado que a mesma força que puxa os objetos para o chão é a mesma que atua entre o Sol e a Terra. Aquilo foi meio marcante, então eu comecei a ler mais e mais e mais”. Assim, no fim do ensino médio, o cientista prestou vestibular diretamente para física.

“Na época eu trabalhava na Varig, então eu pensei em engenharia também, mas depois de ter mais contato com a física decidi que era aquilo que queria. Quando entrei no curso eu tinha a ideia de que conseguiria fazer as disciplinas e continuar trabalhando, mas um professor me convenceu que eu não teria futuro nenhum se eu levasse o curso à meia-boca, então decidi largar o emprego”, relata.

Já em meados de sua graduação o cientista conseguiu uma bolsa de iniciação científica com um professor de física nuclear, o que terminou por definir á área na física na qual ele queria se especializar: física nuclear na interface com a física de partículas. Durante sua tese, entretanto, enfrentou uma grande dificuldade, ele estava de frente com um problema que não tinha uma solução simples. “Eu tive que fazer toda a garimpagem da literatura para a minha tese e achar a forma de resolver por conta própria, então teve momentos de desânimos. Mas acabou tudo bem, achei a forma de resolver e consegui publicar dois artigos”, comenta.

Sua tese, e sua área de pesquisa, estão voltadas para a física nuclear moderna, que olha para dentro do próton e do nêutron. Assim, o objetivo maior não era entender o núcleo, ele era apenas um “laboratório” usado para entender o que eram o próton e o nêutron “e isso vai até hoje”, brinca.

Entre seus momentos marcantes Gastao lembra do primeiro artigo publicado e da bolsa que conseguiu, ao fim do doutorado, para ir aos Estados Unidos realizar o pós-doutorado. Segundo Gastao, esse foi um dos melhores lugares para sua área e lhe deu a possibilidade de publicar 13 artigos em dois anos, concedendo-lhe uma experiência profissional e pessoal muito marcante. Ao fim dessa etapa voltou para a Universidade de Santa Maria, onde era Professor Titular e dava aulas na graduação e, logo em seguida, veio um novo salto em sua carreira ao conseguir aprovação num concurso para trabalhar no IFT – UNESP, onde está até hoje.

Gastao Krein é um dos convidados da próxima edição do Papos de Física, dentro da programação do Pint of Science, e irá falar sobre “A flecha do tempo: por que envelhecemos e nunca rejuvenescemos?”. Sua apresentação será no primeiro dia, 14 de maio, segunda-feira, no Tubaína Bar (R. Haddock Lobo, 74 – Cerqueira César) às 19:30. No mesmo dia o físico Alberto Saa fará a palestra “O conceito de infinito na física e matemática”. Para a programação completa e mais informações acesse Papos de Física  e Pint of Science – São Paulo.

Marcelo Yamashita, o Diretor do IFT – UNESP

Written by Malena Stariolo on May 8th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Um dos palestrantes do segundo dia do Pint of Science será o diretor do IFT, Marcelo Yamashita. Especializado em física quântica de poucos corpos, o físico passou por algumas reviravoltas em seu percurso até chegar onde está hoje.

O pesquisador fará uma palestra sobre “Ciência versus Pseudociência”

Durante a adolescência Marcelo Yamashita nunca soube muito bem o que gostaria de ser, então quando chegou o momento, começou a planejar seu futuro pensando em seguir Engenharia Civil, dedicou os estudos para o vestibular com esse objetivo em mente. Tudo mudou quando, seis meses antes de realizar a tão aguardada prova, a admiração por um professor o fez traçar um novo percurso. Apesar de achar que seu pai ficaria um pouco decepcionado por conta da expectativa de ter um filho engenheiro, tanto ele, quanto a mãe, apoiaram a decisão final do estudante de ir atrás de seu novo interesse: a física.

Mesmo com a mudança repentina de carreira, seu percurso acadêmico foi tranquilo. Desde o começo gostou do curso e se envolvia pelo que era ensinado, aprendendo tudo com grande prazer. Talvez esse gosto, aliado à disciplina que Marcelo tinha devido há anos praticando judô, ajudaram para que a vida universitária não apresentasse grandes dificuldades. Mesmo assim, o pesquisador não passou intocado pelas incertezas que, às vezes, atingem jovens durante a graduação, “Qualquer atividade apresenta momentos desagradáveis. O ser humano também tem uma busca por aquilo que é novo. Várias vezes já pensei em desistir da física, mas ainda bem que o pensamento passou logo”, comenta.

Aliás, a mudança de carreira não foi a única reviravolta na vida acadêmica do cientista. Desde sua iniciação científica até o mestrado, Marcelo se dedicou à área experimental da física para, só no doutorado, perceber que aquilo não era o que realmente queria e seguir um novo rumo no lado teórico da física:

“A minha iniciação científica e meu mestrado foram experimentais numa área chamada espectroscopia gama. Experimental no sentido de colocar a mão na massa em experimentos: carregar tijolos de chumbos, apertar parafusos, etc. Fiquei uns seis anos fazendo isso para descobrir que realmente não gostava de tudo aquilo. Comecei a estudar a minha área atual de pesquisa, a física quântica de poucos corpos, no ano 2000, no meu doutorado. Desde então tenho trabalhado em assuntos relacionados”.

Como o físico descreve, atualmente suas pesquisas estão direcionadas para o estudo de núcleos e moléculas muito fracamente ligadas. Ele está interessado em observar como moléculas resfriadas a temperaturas próximas de zero absoluto se modificam conforme mudam a dimensão espacial do sistema, ou seja, a alteração dessas moléculas quando transitam em espaços tri, bi e unidimensionais. Além de pesquisador, Marcelo, atualmente também é o Diretor do Instituto de Física Teórica da UNESP, um dos melhores institutos de física do país.

Apesar da física por si só parecer uma área extremamente complicada para a maioria das pessoas, ela nunca se tratou da maior dificuldade do cientista. A parte burocrática e administrativa de seu cargo é o que realmente o deixa enrolado, e tira um pouco do foco que ele gostaria de dedicar à outras atividades mais interessantes, “acho que a minha maior dificuldade agora é fazer relatórios e prestações de contas. Por conta da minha atual posição também não consigo me concentrar na minha pesquisa da maneira que eu gostaria”, explica.

Marcelo Yamashita é um dos convidados da próxima edição do Papos de Física, que está dentro da programação do Pint of Science, e irá falar sobre “Ciência versus Pseudociência”. Sua apresentação será no segundo dia, 15 de maio, terça-feira, no Tubaína Bar (R. Haddock Lobo, 74 – Cerqueira César) às 19:30. No mesmo dia o físico Oscar Eboli fará a palestra “Constituentes da Matéria: elétrons, quarks, Higgs”. Para a programação completa e mais informações acesse Papos de Física e Pint of Science – São Paulo.